Escravos milenaristas? A Santidade de Jaguaripe e resistência escrava nas Américas
Traduzido por: Wilson Oliveira Badaró
RUMORES DE UMA NOVA RELIGIÃO SE
ESPALHARAM através das florestas, paróquias, e as plantações de açúcar da Baía
de Todos os Santos no interior de Salvador da Bahia, capital da colônia
Portuguesa do Brasil, na década de 1580. Por volta de 1585, dezenas de
índios, muitos africanos, e praticamente todos os Mamelucos mestiços (os
descendentes dos homens portugueses e mulheres indígenas) tinham ouvido falar
de uma congregação numa região selvagem, onde os participantes tinham
construído seu próprio templo, praticando rituais através dos quais eles
alcançaram um estado de santificação conhecido como Santidade. Mamelucos
que aderiram à seita mais tarde descreveram os batismos, orações, as falas em línguas,
o "beber" a fumaça do tabaco sagrado, e quedas em transes no limite
do delírio. Crentes proclamaram que na terra as suas culturas iriam
crescer por vontade própria, seus vegetais seriam maiores do que os dos outros,
e eles não iriam carecer mais de comida ou bebida. Além disso, proclamaram
que "Deus estava vindo agora para libertá-los do cativeiro e para
torná-los chefes dos brancos" e que iriam "voar para o céu",
enquanto "aqueles que não acreditavam... seriam convertidos em pássaros e
animais da floresta." Quando alguns dos crentes vieram das regiões
selvagens e construíram uma aldeia e um templo em uma plantação de açúcar em
Jaguaripe, na periferia sul da baía, índios, africanos e Mamelucos de todos os lados
da baía foram batizados por sua líder feminina, conhecida como "Mãe de
Deus". Do seu centro em Jaguaripe, o frenesi religioso se espalhou
para outras paróquias ao longo da baía onde os crentes abraçaram a seita e
criaram suas próprias congregações. Confrontado com uma crise de trabalho
nas plantações de açúcar e uma crise de conversão nas missões, o governador da
Bahia, os jesuítas, o bispo e o conselho da cidade de Salvador se uniram para
destruir a seita.¹
Este episódio, que os estudiosos nomearam
de "a Santidade de Jaguaripe," é um exemplo quase clássico de um
movimento milenarista. Milenarismo tende a surgir entre os povos que vivem
em um "amargo e doloroso presente" e que esperam por "um futuro
radiante onde todo o mal será apagado".² Em tempos de desastres, crises de subsistência, guerra civil,
colonialismo, a rápida expansão do capitalismo, ou privação relativa, as idéias
milenaristas se espalham porque "velhos mitos sobre o significado da
humanidade não encontram alterações de circunstâncias, pois eles já não são
relevantes".³ Movimentos milenaristas criam
uma nova mitologia para aqueles em desespero e dão esperança para um novo mundo
onde o mal está erradicado, a opressão terminou, e os erros vingados. Os
crentes estão dispostos a sacrificar-se para estar entre aqueles que serão
salvos no próximo mundo, o mundo de paz, harmonia, igualdade e
felicidade. Porque os crentes vêem o mundo como fundamentalmente mau, eles
desejam intensamente que aqueles que causaram o mal devam pagar por seus
pecados.4 Não raro, isso leva a conflitos profundos e potencialmente
devastadores com as autoridades estabelecidas.5
A Santidade de Jaguaripe é clássico
com exceção de um ponto crucial: a participação de escravos.6 Muitos dos que
acreditavam no movimento no Brasil eram escravos, e as crenças da seita dirigia-se
diretamente a condição de escravidão. Pode-se supor que a condição de
escravidão faria um terreno fértil para a semeadura movimentos milenaristas,
mas na verdade há muito poucos relatos históricos de tais movimentos entre os
escravos. Este silêncio na historiografia merece um exame mais
detalhado. Logicamente, parece que o milenarismo deveria ser uma resposta
comum à escravidão. Mais de trinta anos atrás, Vittorio Lanternari escreveu
que, no Caribe, "onde a população negra de ascendência Africana sofreu
séculos de opressão nas mãos dos comerciantes de escravos europeus e
americanos, as condições de vida prepararam o terreno para qualquer culto
religioso que prometesse liberdade e independência para seus seguidores".[7] No entanto, a historiografia da escravidão revela poucas vezes
quando os escravos adotaram o milenarismo para resolver sua situação. Eric
Hobsbawm mostra como a rápida expansão do capitalismo moderno em sociedades
camponesas, nos séculos XIX e XX freqüentemente criou o contexto para
movimentos milenaristas,[8] no entanto, o comércio
de escravos, que é citado por muitos estudiosos como a base para o
desenvolvimento da economia atlântica e o qual afetou profundamente as
sociedades africanas e americanas nativas desde o século XVI até os séculos XIX, parece que raramente
causou respostas similares entre os escravos.[9] O desastre é visto como um fator causador de movimentos
milenaristas;[10] escravos certamente vivenciaram
desastres e fome, sejam eles nas Américas, na África, ou no comércio de
escravos transatlântico ou transcontinental, ainda não temos exemplos de
desastres documentados que causaram movimentos milenaristas entre os
escravos. A resistência milenarista à ordem colonial é um tema comum nos
escritos acadêmicos, mas não, ao que parece, para os escravos nas sociedades
coloniais da África e das Américas.[11] É este o silêncio na escrita histórica devido ao fato de que
alguns desses movimentos realmente ocorreu? Ou movimentos milenaristas
entre escravos surgiram, mas não deixaram nenhum rastro em fontes
escritas? Existem fontes não escritas que os historiadores têm
negligenciado ou falharam em ler todo o seu potencial?[12]
Por qualquer uma ou todas essas
razões, os escravos que se uniram e levaram as congregações dentro do movimento
Santidade no Brasil destacam-se no registro histórico como participantes de uma
espécie de experiência ainda tida como mal documentada ou apenas vagamente
entendida por historiadores.[13] Neste artigo, vou explorar esse exemplo de milenarismo escravo
e sugerir que ele pode representar uma forma de resistência escrava,
possivelmente, característica do início da escravidão em outro lugar nas
Américas. Ao fazer esta afirmação, eu vou um passo além da caracterização
habitual da Santidade de Jaguaripe de 1585, como um movimento de índios que
surgiu a partir de uma tradição messiânica indígena. Eu sustento que a
Santidade de Jaguaripe é mais bem compreendida como o impulso dos dominados em
um ambiente colonial estrangeiro para criar um novo mundo e novas identidades
para si mesmos, apropriando-se não só as suas próprias tradições culturais, mas
também das crenças sincréticas, linguagem e rituais desenhados a partir de sua
experiência imediata na sociedade colonial.[14]
As primeiras cartas e crônicas do
Brasil descrevem uma tradição messiânica, para muitos estudiosos é a chave para
a compreensão da Santidade de Jaguaripe. Depois de residente no Brasil há
apenas alguns meses, por exemplo, o líder da missão jesuíta no Brasil, Manuel
da Nóbrega, escreveu que os índios "nada adoravam e nem conheciam a
Deus" e só tinham a seguinte cerimônia entre si: de vez em quando, um
"feiticeiro"
(hechizero) aparecia nas aldeias e, projetando sua voz através de uma cabaça,
pregava que não havia necessidade de trabalhar, que as culturas iriam crescer
por conta própria, que as setas iriam caçar a caça, que o velho tornar-se-ia
jovem, que os guerreiros iriam matar muitos de seus inimigos, e que as pessoas
iriam comer muitos cativos. Após a pregação, os indígenas, especialmente
as mulheres, começavam a tremer, se jogavam no chão e espumavam pela boca; o feiticeiro
iria curá-los e a santidade (santidad) entraria neles.[15]
Em 1952, José Calasans escreveu a
primeira história moderna da Santidade de Jaguaripe e deu a entender que ela
pertencia ao contexto do aparecimento periódico entre os índios brasileiros de
indivíduos conhecidos como caraíbas, que eram percebidos enquanto
detentores de poderes sobrenaturais.[16] Posteriormente, sociólogos, antropólogos e
historiadores recorreram ao trabalho de Curt Nimuendajú-Unkel, Alfred Métraux,
Egon Schaden, e Pierre e Hélène Clastres sobre a religião tupi-guarani para
entender o fenômeno dos caraíba e as migrações periódicas
realizadas pelos Tupi Guarani em busca de uma "terra sem mal".[17] Apenas breves
descrições da Santidade de Jaguaripe, no entanto, apareceu na literatura
acadêmica,[18] até a monografia de Ronaldo Vainfas A
heresia dos Índios que trouxe o movimento em foco mais
nítido. Vainfas argumenta que a tradição caraíba de
liderança messiânica, combinado com as migrações tupi-guarani que procuraram a
"terra sem mal", assumiu uma nova forma na Santidade de
Jaguaripe. Porque a seita foi influenciada pelo cristianismo, no entanto,
ele vê seus rituais indígenas como menos "autêntico" do que os dos
movimentos messiânicos anteriores. Vainfas caracteriza a Santidade de
Jaguaripe como uma "idolatria insurgente", uma forma de resistência
indígena ao colonialismo.[19]
Gostaria de sugerir uma leitura
alternativa da Santidade de Jaguaripe: que era um movimento milenarista de escravos.
De todos os estudiosos que escreveram sobre a Santidade de Jaguaripe, apenas
Roger Bastide sugere uma possível ligação entre escravidão e
milenarismo. Em uma breve referência à Santidade de Jaguaripe, em seu
estudo maior sobre religiões africanas no Brasil, Bastide escreve:
"Sociologicamente o culto pertence à categoria de messianismo, que é
fortemente carregado de ressentimento – o ressentimento do escravo por seu
mestre, do ressentimento indígena nativo por seu conquistador – e
profeticamente anuncia a vingança definitiva da vítima contra os europeus".[20] Apesar de Bastide não ver o milenarismo como uma parte importante da religião africana
no Brasil, argumentando que africano-brasileiros não iniciaram seus próprios
movimentos milenaristas,[21] uma leitura
cuidadosa da Santidade de Jaguaripe sugere que os escravos índios e africanos
usaram as idéias mileniais
para a construção de sua própria
experiência religiosa. Ao chamar a Santidade de Jaguaripe de um movimento
de escravos, eu não nego que ele foi influenciado pela tradição
indígena. No entanto, defendo que o movimento foi uma nova criação, em
resposta às novas situações radicalmente encontradas pelos escravos na
sociedade colonial emergente.
PARA O HISTORIADOR QUE TENTA RECONSTRUIR os
significados e experiências da Santidade de Jaguaripe, a visão pós-colonial de que
"a linguagem é poder, porque as palavras constroem a realidade" leva
à dúvidas incômodas quando confrontamos as fontes em mãos, considerando que
todas foram escritas a partir da perspectiva das autoridades coloniais.[22] As fontes escritas pela Santidade de Jaguaripe consistem em
uma carta jesuíta anual de 1585[23] (presumivelmente,
existem outras fontes jesuítas ou existiram[24]) e processos da Inquisição Português. Os processos que
descrevem a seita datam de 1591 e 1592, quando um inquisidor da visitação
chegou na Bahia para estabelecer uma presença temporária do Santo Ofício da
Inquisição.[25] Porque o inquisidor tinha
ouvido muitos moradores de Salvador e do Recôncavo denunciarem aos portugueses
e aos mamelucos de raça mista que toleraram e participaram nos rituais da
seita, ele julgou seis daqueles então acusados.[26] É
só por causa desses processos que os historiadores podem reconstruir a seita como
um todo. No entanto, essas descrições chegam até nós na linguagem escrita,
terminologias e os códigos da Inquisição. As denúncias, confissões e
interrogatórios contidos nos processos nunca registram relatos na primeira
pessoa, mas sim, mais remoto, estão escritos na terceira pessoa usada pelo
notário. Além do fato de que as declarações de indivíduos foram
transformadas pelo notário do tribunal inquisitorial, o historiador nunca pode
saber como os indivíduos adaptaram suas confissões e denúncias para revelar ou
esconder o que eles, de fato, sabiam ou não sabiam, ou para proteger ou para
incriminar aqueles em torno deles. As descrições dos movimentos
milenaristas inevitavelmente representam as opiniões e informações de estranhos
insensíveis, e a Santidade de Jaguaripe não é exceção. Praticamente todas
as denúncias foram feitas por pessoas que tinham pouca experiência direta com a
seita, ao passo que as confissões daqueles que, de fato, acreditavam, cada um continha
uma declaração negando essas crenças. O tribunal inquisitorial não registrou
os depoimentos de todos os escravos africanos ou índios que participaram da
seita. O historiador não pode ainda sequer listar os nomes dos crentes.
Falhas como essas fontes são, elas, com efeito, produzem uma imagem do
movimento, pelo menos, como fora visto pelos jesuítas provincianos em 1585 e registrado
pelo Notário da Inquisição em 1591 e 1592. Segundo estas fontes, o
movimento começou quando um índio conhecido simplesmente como Antonio começou a
pregar nas regiões selvagens além de Jaguaripe, fora dos limites da Baía de
Todos os Santos. Antonio cresceu em uma missão jesuíta na ilha de Tinharé
e de lá fugiu para as regiões selvagens, onde ele "inventou" a seita.[27] Os rumores se espalharam rapidamente pela Baía de Todos os
Santos que "Santa Maria Nossa Senhora, Mãe de Deus" havia aparecido
entre os índios.[28] Índios, livres e
escravos, fugiram das plantações do Portugueses para juntar-se à seita. Um
plantador de açucar Português, Fernão Cabral de Tayde, propôs ao governador da
Bahia que ele iria enviar sua mameluco veterano, sertanejo, intérprete e
escravista indígena, Domingos Fernandes Nobre, para encontrar a seita no
interior e trazê-lo para sua propriedade em Jaguaripe.[29] Nobre liderou uma tropa de vinte mamelucos e oitenta arqueiros
indígenas no sertão. Lá eles encontraram Antonio e oitenta seguidores.[30] Os mamelucos, em seguida,
participaram de rituais da seita. De acordo com Nobre, que só fingiu
entusiasmo, porque seu motivo oculto era trazer a seita à propriedade de
Cabral. Nobre fez enviar cerca de sessenta seguidores a plantação de
Cabral, mas ele permaneceu nas regiões selvagens ostensivamente para convencer
o resto, e Antonio, o "Papa", para irem para Jaguaripe, também. Cabral,
aparentemente interessado em adquirir mais trabalhadores para a sua plantação,
permitiu que aqueles que vieram das regiões selvagens construíssem uma vila e
um templo.[31] A mulher conhecida como "Mãe de Deus" liderou
o templo em Jaguaripe, e logo sua fama se espalhou por outras plantações.[32] Não só os escravos fugiram
de seus mestres e buscaram a seita em Jaguaripe, mas novas congregações
surgiram em outras paróquias da Baía de Todos os Santos.[33] Diz-se que Cabral entrou no templo da seita em várias ocasiões
e tirou o chapéu em sinal de respeito, assim como os outros, incluindo o
sobrinho do governador.[34]
O governador do Brasil, que residia em Salvador, ordenou a Cabral que
desmantelasse a seita, mas Cabral paralizado, argumentando que para fazê-lo
poria em perigo Nobre, que ainda estava no deserto negociando com
Antonio. Recusando-se a esperar, o governador enviou tropas sob o comando
do Português plantador de açúcar Bernaldimo Ribeiro da Gram à propriedade de
Cabral. Lá, Cabral se recusou a ajudar Gram, dizendo que eles seriam todos
mortos, mas Gram foi ao templo de qualquer maneira, onde, na língua indígena,
ele persuadiu-os a render-se. Ele queimou o templo e levou o ídolo e os livros
sagrados para o governador.[35]
Enquanto isso, o governador mandou o plantador de açúcar Mameluco Álvaro
Rodrigues e seu irmão Rodrigo Martins para o deserto para aprisionar o resto
dos seguidores da seita. Rodrigues declarou que ele encontrou muitas
congregações, todas as quais ele destruiu "pela força do brasão." Em algumas batalhas,
ele destruiu a fé dos crentes por destacar os líderes que afirmaram que nenhuma
espada ou cadeia poderia ferir-lhes e executá-los na frente de seus seguidores.[36]
Nenhuma das confissões ou denúncias falavam claramente sobre o destino de
Antonio. Na carta anual, porém, o Provinciano dos Jesuítas escreveu que
alguns dos índios missionários, tendo sido vítimas de "a antiga
serpente" e terem sucumbido ao "veneno" do feiticeiro
(Antonio?), viram a luz. Pois, quando o feiticeiro estava passando, eles prenderam
e bateram nele até que os jesuítas intervieram para salvar sua vida. Em
seguida, o feiticeiro foi enviado ao governador, que colocou-o sob
julgamento. O resultado, de acordo com os jesuítas, era que "aquele
que pouco antes havia feito a si próprio Deus fora arrastado em público pelas
aldeias a ser o passatempo e objeto de escárnio de todos".[37] Entregá-lo aos índios que haviam lhe apreendido, continua a
carta jesuíta, o governador esperava que ele fosse morto, e os índios
obrigados, a enforcar-lhe. Mas o próprio governador especificou em outro
documento que o "papa" desapareceu e fugiu e não houve mais
notícias. Outros líderes da seita, como a "Mãe de Deus", foram
enviados para Portugal.[38]
O inquisidor de visitação respondeu
a todas essas informações no que parece, ao leitor moderno, ser uma forma
surpreendente. Ele destacou o plantador português açúcar de Cabral, que havia
tolerado a seita em sua plantação, e mandou prendê-lo. Estabelecendo e, em
seguida, pegando Cabral em uma armadilha de perjúrio, o inquisidor condenou Cabral
a uma multa dura e o baniu do Brasil por dois anos. Nobre e os outros mamelucos
que confessaram de ingressar nas cerimônias, a fim de levar a congregação a
Jaguaripe receberam penitências espirituais para completar e foram ordenados nunca
mais voltar para as regiões selvagens. Gonçalo Fernandes, que confessou
acreditar na seita, quando era um adolescente, fora dada a este penitências
espirituais, uma pequena multa e ordenou-lhe a não voltar para as regiões
selvagens. Iria Alvares, a quem o inquisidor interrogou para levá-la a
confessar que tinha forçado o filho aderir à seita, foi intimada a comparecer ao
auto-de-fé em público da Inquisição, com uma vela acesa e instruída a reunir-se
regularmente com o seu confessor.[39]
Com estas medidas, o inquisidor lidou com as memórias remanescentes da
Santidade de Jaguaripe. Do seu ponto de vista, o caso foi
encerrado. Mas o historiador deve revisitar as fontes mais e mais para reconstituir
o que a Santidade de Jaguaripe poderia ter significado para seus
crentes. Essas fontes deixam muitas perguntas sem resposta. Mas elas
revelam uma imagem convincente de uma comunidade apaixonada, composta
principalmente de escravos, que se define em oposição à ordem colonial, usando
um novo tipo de linguagem e ritual religioso.
QUANDO O MOVIMENTO MILENARISTA conhecido como
Santidade surgiu, o Brasil ainda estava em um estágio inicial de evolução
colonial. Embora a viagem de Pedro Álvares Cabral de Lisboa em 1500 resultasse
na descoberta oficial do Brasil, a colonização sistemática, especialmente da região
da Baía de Todos os Santos, não começaria até 1549. Naquele ano, o rei D.
João III enviou um governador real para todo o Brasil para residir em Salvador,
e autorizou a Companhia de Jesus que iniciasse a evangelização dos
índios. Como a capital do Brasil e da residência dos Jesuítas, Salvador,
assumiu uma nova importância como o local em que a autoridade colonial e
evangelização cristã seriam notórias. Os jesuítas começaram a aprender as
línguas indígenas para ajudar na conversão, enquanto o governador incentivou o
desenvolvimento das plantações de açúcar, que o rei imaginou como o motor
econômico do Brasil.[40] Uma vez que os plantadores de açúcar dependiam de índios para
o trabalho e porque a escravidão indígena tornou-se rapidamente a norma, os
jesuítas logo entraram em confronto com os colonos no tocante a escravidão
indígena.[41] As epidemias na
década de 1560 e 1570 dizimaram as missões jesuíticas e criou-se uma escassez
de trabalho para os plantadores.
Durante a década de 1580, a escravidão expandiu-se na Bahia, e os jesuítas
iniciaram um novo ministério para os escravos. Esses dois fatores poderiam
influenciar a Santidade de Jaguaripe. O declínio da população indígena era
então, àquela altura, indiscutível. Um escritor jesuíta escreveu durante a
década de 1580 que, enquanto os jesuítas (que estavam em número de setenta em
seu collegio da Bahia em 1584)[42] certa vez que ministraram para 40.000 índios que viviam em
quatorze missões, apenas três missões ainda permaneciam, com menos de 3.500
índios.[43] Mesmo com este
declínio catastrófico, as pragas ainda não havia cessado. Na carta jesuíta
anual de 1581, o chefe do campo missionário brasileiro, o Provincial dos
Jesuítas José de Anchieta descreve uma praga devastadora da varíola e, em
seguida, disenteria, na Bahia, que custou a vida de 9.000. Nas plantações,
não só as usinas pararam, mas as raízes de mandioca, essenciais para a
subsistência, não foram plantadas."Senhores e senhoras, e seus filhos,
serviram aos seus escravos", escreveu ele, "mas nem isso foi
suficiente para evitar que a maioria deles de morresse".[44] O número de escravos africanos começou a aumentar a medida em
que os plantadores voltaram-se para novas fontes de trabalho. Certamente,
escravos africanos já haviam estadado na Bahia antes de 1580, mas em pequenos
números.[45] Anchieta escreveu em
1581 que "o tráfico de escravos da Guiné tem aumentado consideravelmente,
e este ano temos a certeza de que mais de dois mil entraram somente nesta
cidade [de Salvador]".[46] Plantadores
também equiparam expedições em busca de novos escravos índios no interior
brasileiro, enquanto os jesuítas enviaram linguistas treinados para convencer
os índios a deixar as suas terras tribais em troca das missões em declínio.[47] Assim, na década de 1580, os novos
escravos indígenas entraram Bahia a partir das regiões selvagens enquanto os
novos escravos da África chegavam ao porto. Esses escravos índios e africanos
que trabalhariam lado a lado nas plantações de açúcar da Baía de Todos os
Santos.
De acordo com um jesuíta, a população da Bahia na época aproximada da Santidade
de Jaguaripe era de 25.500. Destes, 8.000 eram índios batizados que trabalharam
para os portugueses como escravos ou trabalhadores livres no nome. Cerca de
2.500 índios viviam nas três aldeias das missão diretamente sob o controle dos
jesuítas, enquanto 3.000 eram escravos africanos. Essas tribos indígenas fora
do controle dos colonos e jesuítas portugueses não foram calculadas. (Veja
a tabela).
Na época da Santidade de Jaguaripe, muitas tribos indígenas conhecidas e
desconhecidas ainda viviam nas selvas, fora do controle do Português. Um
novo movimento religioso entre tais índios pode haver passado despercebido e fora
do controle imediato dos jesuítas ou o governador. O que fez a Santidade
de Jaguaripe aparentar ser uma ameaça aos jesuítas foi que ele apelou aos
cristãos, isto é, para os índios e os africanos a quem já havia sido convertidos
e batizados na fé. Para os jesuítas, era irrelevante se os participantes
eram escravos ou livres, o que importava era que a sua participação ameaçava
sua salvação cristã. Para os colonos e governador, o movimento se fez
perigoso por seu apelo aos escravos e trabalhadores livres que fugiram das
plantações, levando as usinas a um impasse. Plantadores se importavam
menos com as heresias religiosas de seus escravos e trabalhadores livres (como
vemos o comportamento do plantador de açúcar Fernão Cabral) e mais com o número
de trabalhadores disponíveis para trabalhar nos seus campos e
fábricas. Combinadas estas duas perspectivas revela-se que a Santidade de
Jaguaripe foi um movimento de escravos batizados e trabalhadores
livres. Não foi um movimento de índios independente dos plantadores e
jesuítas, e não foi um movimento de índios intocados pela evangelização cristã.
Como podemos saber exatamente quem participou da Santidade? Uma leitura
cuidadosa dessas declarações que denunciam Cabral e Nobre (a maioria feita por
colonos portugueses de nascimento), revela a percepção de que a seita apelou
para os índios e os africanos sob o controle dos colonos portugueses. De facto a escravidão indígena era a
norma na Bahia neste momento. Índios que viviam como escravos virtuais nas
casas e trabalhavam nas plantações dos colonos portugueses não foram
necessariamente escravizados legalmente. A coroa havia emitido ordens contraditórias sobre a escravidão
indígena e os colonizadores portugueses interpretaram livremente os decretos
reais. Embora os índios que viviam em suas plantações pudessem ser livres nominalmente,
eles ainda viviam sob a autoridade do dono da plantação. O termo gentio, foi
o termo mais frequentemente usado para descrever os adeptos da Santidade,
especialmente nas denúncias mais curtas de Cabral e Nobre, e, como o termo, Brasis,
menos comum referia-se genericamente índios.[48]
Quadro
População da Bahia na época do Movimento
da Santidade, 1583
Número
|
Porcentagem
|
|
Português
|
12000
|
47
|
Índios cristãos
(Livre e escravo)
|
8000*
|
31
|
Os escravos africanos
|
3000
|
12
|
Indianos da missão
|
2500
|
10
|
Total
|
25500
|
100
|
Fonte: "Enformacion
de la Provincia del Brasil parágrafo Padre Nuestro", Bahia, 13 de dezembro
de 1583 (Brasiliensis Provincia et Maragnonensis, 15, 333-39, Archivum Romanum
Societatis Iesu), também publicado pela Frederic Mauro, Le Bresil au
XVII e siècle: Documentos Inédits relatifs à l'Atlantique
portugais (Coimbra, 1961).
Notas:* No
contexto do documento, estes índios cristãos estão trabalhando tanto nos
engenhos de açúcar quanto nas casas de Portugueses.
Ɨ Os
jesuítas tinha três missões: Espiritu Santo, San Juan e San Antonio.
Mas nas denúncias mais longas e
mais detalhadas, os termos mais neutros, gentio e Brasis, são modificados pelo
termo negro. Os termos negros da terra, negros
gentios e negros cristãos, que literalmente significavam "negros da terra",
"gentios negros", ou "cristãos negros", transportou a
implicação de servidão forçada, senão escravidão não real.[49] Às vezes os termos escravo ou negro
foram usados sem a modificação da terra, esses termos poderiam
abranger escravos indígenas e africanos,[50]mas escravos de
Guiné ou negros de Guiné (escravos ou negros da
Guiné) explicitamente referia-se à africanos.[51]
Nas denúncias, negro descrevia claramente um indivíduo
possuído por ou sob o controle de outro. Belchior da Fonsequa, que viveu
em Jaguaripe, no momento da Santidade, foi perguntado pelo o inquisidor sobre
os nomes dos escravos cristãos na seita. Nem sempre conseguia se lembrar-se
dos nomes dos escravos individualmente, mas, ele de fato lembrava os nomes de
seus mestres. Ele viu negros cristãos de Gaspar
Francisco, dez ou doze negros de Caterina Alvarez, dois ou três negros de
Gonçalo Veloso da cidade, e Alexandre, um negro Cristão de
Antonio Pires, bem como outros que fogiram de seus donos para se juntar à seita. O
filho de Belchior, Antonio, lembrou-se de que todos os negros da terra de
Fernão Cabral participaram da Santidade. Joam Bras foi até Cabral para
pedir-lhe para devolver seus três negros, que se juntaram a
seita. Em outras denúncias, o termo escravo descreve os
adeptos. Assim, Álvaro Sanchez disse que a seita atraiu escravos
cristãos. Bernaldimo Ribeiro da Gram, que destruiu a seita na propriedade
de Cabral, especificou que Cabral permitiu que seus Escravos para
adorar os ídolos da Santidade e que Escravos e indios
cristãos (índios cristãos) fugiram de todas as regiões da Bahia para
participar das cerimônias. O reitor do Colégio jesuíta, Fernão Cardim, foi
mais preciso em sua terminologia: ele testemunhou que um grande número dos
"escravos do sexo masculino e feminino, os índios desta terra, os cristãos
ou gentios" ( Escravos e Escravas indios Desta terra cristãos
ou gentios ) fugiram de seus donos para se juntar à seita em
Jaguaripe. Da mesma forma, João da Rocha Vicente precisamente afirmou que
o seu escravo, um índio cativo desta terra ( Seu escravo captivo indio desta
terra ), pregou a mensagem da seita tão longe quanto as aldeias de missão
da Capitania de Porto Seguro, no sul da Bahia.[52]
Embora seja impossível reconstruir uma lista dos crentes da Santidade de
Jaguaripe, é possível contar os indivíduos denunciados pelo nome para o
inquisidor de visitação. Tal lista é pouco representativa da seita, mas
mostra, com efeito, que aqueles que viviam como de facto ou de jure
escravos predominavam nele. Nove Portugueses foram denunciados nominalmente
por entrarem no templo em Jaguaripe e incentivarem a seita. A maioria,
como Cabral, alegou não terem sido crentes. Vinte e oito mamelucos foram
nomeados nas fontes, a grande maioria dos quais com Nobre, quando conheceu a
seita no deserto. Quase todos os mamelucos com Nobre alegaram que participaram
dos rituais com um motivo – para convencer a seita a se mudar para
Jaguaripe. Outros mamelucos foram, no entanto, fiéis. É possível
identificar positivamente apenas oito índios livres na seita; havia, sem
dúvida, muito mais. Quinze proprietários de escravos diferentes são
citados pelos nomes nos documentos como tendo os seus negros, escravos,
ou gentios participado da seita. Os índios e os africanos
sob o controle dos proprietários de escravos que podem ser contados estão em
número de quarenta. Algumas denúncias simplesmente afirmam que um
"número desconhecido" ou "todos" de um determinado
proprietário de escravos negros se uniu à seita, assim
quarenta é, obviamente, muito baixo. Sabemos, por exemplo, que sessenta
participantes da seita viviam sozinhos em Jaguaripe, no entanto, apenas dez dos
escravos de Cabral estão nomeados individualmente. Da mesma forma, um
encontro secreto de dez negros foi relatado por Paulo Adorno,
mas ele só pôde nomear três, Lucrecia, Ilena e Domingos.[53] Esta contagem dos documentos não medem definitivamente o
tamanho da seita, ou até mesmo sua composição, mas sugere que a grande maioria
dos membros da seita eram conhecidos como negros que viviam
sob o controle dos colonos portugueses.
Embora a grande maioria das denúncias da Santidade de Jaguaripe sugira que seus
membros fossem índios sob o controle de colonos portugueses, uma das denúncias
mais importantes descreveu explicitamente a participação de escravos africanos,
a de Álvaro Rodrigues, o plantador de açucar mameluco que, com seu irmão,
liderou a expedição as regiões selvagens, contra os últimos sobreviventes da
seita. Esta denúncia nunca foi publicada, e alguns dos estudiosos que
escreveram sobre a Santidade de Jaguaripe como um movimento indígena sabiam do
seu conteúdo.[54] Rodrigues começa por dizer que nas selvas da Bahia entre
os gentios (índios), surgiu a Santidade em que Jesus chamou
alguns, outro Stª Maria, e uma outra São Paulo. Entre esses índios estavam
muitos cristãos, alguns livres e alguns escravos que fugiram de seus
senhores. Mais tarde, quando a seita se estabeleceu na propriedade de
Cabral, muitos cristãos, tanto brasis (índio)
e da guiné (africano) se juntaram a eles. Rodrigues
descreve a propriedade de Cabral como onde "os Brasis cristãos [índios
batizados] e muitos mamelucos, filhos de Brasis e de brancos,
sendo todos cristãos acreditavam no abuso e deixaram a fé de Cristo, nosso
Senhor, e os negros cristãos da guiné [escravos batizados da
África] começaram a fazer o mesmo".[55] Uma outra denúncia,
a de Maria Carvalha, um servo livre de Cabral de dezoito anos de idade,
refere-se especificamente a um escravo Africano no movimento. Ela
denunciou Petronilha, que ela descreveu como uma "escrava Africana batizada
nascida nesta terra" (negra de Guiné creoula desta terra cristãa). De
acordo com Carvalha, enquanto ela estava espanando uma pintura da Virgem, um
dia, Petronilha bateu a imagem de Maria e disse que era inútil e feita de
madeira, enquanto a dela, a imagem de pedra da Santidade, era melhor.[56]
OS CRENTES NO SANTIDADE DE JAGUARIPE criaram uma
religião sincrética.[57] O sincretismo, tal qual ocorreu com freqüência no século
XVI, quando o colonialismo destruiu as antigas sociedades indígenas das
Américas, era uma necessidade sócio-cultural, de acordo com o sociólogo
Cristiain Parker, para os nativos resistir à "desintegração anômica."[58] Uma forma de
sincretismo pode ser visto na Santidade de Jaguaripe, a reinterpretação do
cristianismo, isto é, a aceitação de ritos cristãos, mas com a adição de novos
significados.[59] A reinterpretação do cristianismo repousava em um novo idioma,
uma "linguagem inventada por eles".[60] Nobre descreve os
participantes "falando uma nova língua", como parte da cerimônia da
seita, enquanto Pantalião Ribeiro chama de linguagem "jargão que só eles
entendiam."[61] A
seita usou uma linguagem cerimonial em rituais, o que para uma pessoa exógena e
antipática à seita, soou como uivados animalescos e berros, e incluiu agitos,
tremores, gemidos e contorceres da boca.[62] Os jesuítas,
desgostosos, retrataram uma cena em que eles falaram "entre si sem mover
os lábios": "de repente eles caem apenas meio vivos e tremem
violentamente em todos os seus membros; torcem seus rostos obscenamente, e
saindo a língua de uma forma vergonhosa, atiram-se ao redor como se estivessem loucos
e, com todo os seus corpos contorcem-se no chão.[63]
Embora repelidos os jesuítas podem ter, inadvertidamente, ajudado os seguidores
da Santidade de Jaguaripe a desenvolver uma linguagem comum que muniu os escravos
de culturas díspares de um vocabulário compartilhado. Embora seja uma percepção
comum de que os escravos no Brasil, sejam índios ou africanos, não foram o foco
dos missionários, os jesuítas, de fato, os via como parte de seu ministério.[64] Esta missão, por outro lado, aumentou rapidamente nos anos
imediatamente anteriores ao surgimento da Santidade de Jaguaripe. Quando o
jesuíta Cristóvão de Gouveia chegou ao Brasil em 1583, ele, como jesuíta
Visitante, tinha a seu cargo a revisão de cada colégio e residência jesuítas e
avaliar a sua missão. Na Bahia, ele ordenou que aos irmãos que visitassem
as plantações e cuidassem das necessidades espirituais dos
escravos. Fernão Cardim, o secretário do jesuíta visitante, descreveu o
ministério da seguinte forma: "estamos em missão contínua para as usinas e
fazendas dos Portugueses... [E]stas missões tem dado tantos benefícios que um
padre que estave lá por 15 dias batizou 200 escravos, adultos e crianças, tanto
da Guiné quanto desta terra, e [celebradou] até 100 casamentos ... e deu-lhes o
conhecimento do criador e da salvação".[65] Em quatro meses,
Gouveia afirmou, os jesuítas tinham batizado perto de 800 índios e escravos
de Guiné, casado 500, e ouviu um grande número de confissões. De
outros documentos escritos por Gouveia, sabemos que ele advertiu os jesuítas,
não para batizar (exceto em extremis ) se os índios e os
escravos africanos não soubessem as orações ou tivessem uma boa compreensão do
cristianismo. A descrição detalhada que Gouveia enviou a Roma sobre como
estas missões trabalhariam para as plantações sugere que os jesuítas já havia
desenvolvido uma abordagem sistemática. Um padre, em quem a ordem tinha
grande confiança, e um companheiro confiável, seria dada a responsabilidade de
visitar cada plantação anualmente. Após a chegada, eles iriam fazer um
censo de todos os escravos e indicar quem tinha sido batizado, quem era casado
e quem tinha feito confissões, pois eles não deveriam sair até que todos os
escravos tivessem recebido a ajuda e correção necessárias. Eles deveriam
dizer missa na parte da manhã em dias santos, porque aqueles eram os dias em
que os escravos e índios tinham folga, depois da missa, eles deveriam ensinar a
doutrina antes de os escravos partissem para trabalhar em suas próprias roças. Eles
deveriam incentivar a criação da Confraria de Nossa Senhora do Rosário. À
noite, ou durante a refeição da noite, eles deveriam ensinar a doutrina aos
índios e escravos usando o catecismo aprovado.[66]
Os efeitos da missão jesuítica para índios e escravos africanos pode ser visto
nas crenças religiosas e rituais da seita da Santidade de Jaguaripe. Considerações
ao inquisidor descrevem rituais de batismo com água, a confissão dos pecados,
oração, contas* de oração, e a
nomeação de santos. Bras Dias confessou que a seita imitou a igreja cristã
com suas cruzes e declarações que Cristo, que dá comida, era o senhor do mundo
e filho da Virgem Maria, mas observou que, essas crenças continham "muitas
imperfeições" e "insensatezes", uma vez que era "uma coisa
de negros que conhecem pouco".[67] Na carta anual de 1585, o Provincial dos Jesuítas mostrava uma
seita com um sumo sacerdote, "como nós ordenamos o Papa", bispos
consagrados e sacerdotes, e as escolas para ensinar a crianças. Os
jesuítas estavam particularmente preocupados com as ligações óbvias entre a
Santidade de Jaguaripe e seu próprio trabalho missionário. O provincial
escreveu que achou o "culto mais perigoso [do que as superstições
anteriores] naquilo em que mais de próximo seguia os ritos e cerimônias
cristãs, obviamente, de modo que a própria semelhança das leis e congruência
dos costumes do Diabo poderia convencer as pessoas as quais não fossem as mais
sábias de que os nossos costumes em nada diferem do costumes deles, e que se
eles, no entanto, um tanto diferentes, seriam os nossos costumes que desviavam
da verdade".[68] As crenças messiânicas
e milenaristas da Santidade de Jaguaripe expressaram a esperança de escravos
que tinham experimentado a fome, sobreviveram à pragas, atravessaram a floresta
ou o Atlântico em grilhões, e trabalharam continuamente nos canaviais e
usinas. O termo "milenario" pode ser definido livremente para
descrever fenômenos, visíveis em todo o mundo, em praticamente todas as
tradições religiosas, que evocam "qualquer concepção de uma idade perfeita
por vir, ou de uma terra perfeita para ser tornar acessível".[69] Usado Nesse sentido, a tradição tupi-guarani de seguir
os caraíbas que prometeram uma era de ouro pode ser vista como
milenarista. O testemunho de Álvaro Rodrigues de que os crentes estavam
convencidos de que os cultivos iriam crescer por conta própria e que eles não careceriam
de comida ou bebida parece seguir o padrão indígena. Mas o imaginário
milenarista da seita da Santidade de Jaguaripe também foi influenciado
especialmente por crenças que se originam na tradição judaico-cristã. O
Livro de Daniel contém um dos paradigmas mais poderosos de transformação
milenarista, que apela para aos santos de Deus para se levantarem e derrubarem
o mal, poder demoníaco à solta no mundo.[70] Os primeiros cristãos
transformaram a expectativa judaica do Messias e a idade milenarista na terra
para o retorno do Messias e a inauguração de um reino celestial.[71] No
livro do Apocalipse, o Messias retorna em um cavalo branco, liderando exércitos
celestiais para fazer guerra contra a besta de dez chifres, o falso profeta, e
depois cria uma nova Jerusalém, onde os fiéis vão viver com Deus.[72] Ele inaugura o "milênio", o
reinado de mil anos de Cristo na terra, quando o diabo será mantido em
cativeiro.[73]
Foi certamente os jesuítas que apresentaram aos índios e os africanos às idéias
milenaristas cristãs. De acordo com Carole Myscofski, os jesuítas projetaram
um cristianismo milenarista no Brasil através de suas peças de teatro e
catecismo. As peças de José de Anchieta, realizadas na década de 1580,
dramatizaram o Apocalipse em termos reconhecíveis. Na trilogia Na Vila de
Vitória, Anchieta retrata a Bahia como corrupta, governada pelo diabo, e em
seus últimos dias. A redenção vem quando Santa Ursula e São Mauricio derrubam o
mal e começam uma nova era.[74] Através da catequese jesuítica, escravos africanos e indígenas
foram expostos à idéia de apocalipse, pelo poder transformador da redenção, e
com a idéia do castigo eterno do mal. Uma parte fundamental do ensino jesuíta
na Doutrina Cristã, o catecismo usado em línguas indígenas e africanas,
introduziram o conceito do Dia do Juízo. Ensinada em um simples diálogo de
pergunta e resposta, a Doutrina Cristã delineou o cenário em linguagem
simples. Os jesuítas ensinavam que Cristo retornará do céu em uma nuvem, ninguém,
nem mesmo os animais, vão escapar, todos vão morrer e depois renascer, o bom será
bonito e o mau feio. Cristo julgará todos e levará o bom para o céu, onde
viverão para sempre, enquanto o mal irá para o fogo do inferno, onde sofrerão
eternamente.[75]
A aplicação dos ensinamentos milenaristas para a vida dos índios e africanos
pode ser visto nas confissões daqueles que participaram da seita. De
acordo com a mulher indígena livre Iria Alvarez, os líderes pregavam que
"Deus nosso Senhor descerá do céu para a terra e que Deus iria mudar este
mundo, e que, quando Deus vier aqui para a terra todos morreriam, e que depois
que eles morressem, eles levantariam de novo".[76] Cristóvão Bulhõis confessou que quando ele e os outros
Mamelucos, sob o comando de Nobre conheceram o "papa" nas selvas,
eles foram orientados a "irem e lavarem-se", pois "um novo
incêndio nasceria entre eles".[77] Gonçalo Fernandes
confessou que eles entenderam que "Deus estava vindo agora para
libertá-los do cativeiro em que eles estavam e para torná-los chefes dos
brancos e que os brancos se tornariam seus escravos."[78] Luisa Rodrigues confessou que acreditava que "Nossa
Senhora e Nosso Senhor iriam voltar e andar aqui na terra".[79]
Os jesuítas não eram a única fonte de crenças milenaristas e messiânicas
judaico-cristã dos escravos. Os colonos portugueses da Bahia, entre os
quais foram contados os cripto-judeus, cristãos-novos (descendentes de judeus
convertidos), e os cristãos, possuíam uma tradição religiosa ricamente
entrelaçada com crenças messiânicas e profecias milenaristas. Embora os
líderes da igreja cristã condenassem escritos milenaristas e proféticos como
heresia, no século IV, estes persistiram na religião popular dos cristãos em
toda a Europa.[80] Na Península Ibérica, teologias milenaristas e crenças
populares tornaram-se parte integrante do catolicismo.[81]
O milenarismo cristão da Ibéria tinha raízes em crenças messiânicas das
comunidades judaicas sefarditas da Espanha e Portugal. O fervor messiânico
é uma característica proeminente da história judaica,[82] e nas comunidades sefarditas da Península Ibérica, os
movimentos messiânicos irromperam na medida em que os judeus encontravam-se
cada vez mais sob ataque do fervor das cruzadas do catolicismo. Entre os
conversos (judeus que se converteram ao cristianismo em Espanha), os movimentos
messiânicos apareceram, provocados pela intensa investigação de conversos pela
Inquisição, expulsão dos judeus da Espanha e a conversão forçada dos judeus em
Portugal.[83] As esperanças
messiânicas surgiram repetidamente entre os cristãos-novos em Portugal: Isaac
Abravanel previu a chegada do messias judeu em 1503; David Reubeni procurou
ajuda para libertar a Terra Santa dos turcos em 1520, a fim de se preparar para
o Messias judeu, e Luis Dias foi conhecido como o messias de Setutbal quando
ele foi preso pela Inquisição em 1530.[84] O Português cristão-novo, o poeta Gonçalo Annes (mais conhecido por
seu apelido, O Bandarra) escreveu poesias infundidas com temas apocalípticos e
messiânicos. As trovas de
Bandarra descrevem a vinda de um grande rei e salvador, que iria
transformar completamente o mundo. Escrito em algum momento antes de 1537,
os versos circularam amplamente, e alcançaram a atenção da Inquisição, que
interrogou Bandarra em 1545.[85]
Esta cultura popular milenarista e messiânica na comunidade cristã-nova
desenvolveu-se dentr doo sebastianismo, que apareceu após a trágica morte do
Português D. Sebastião, em 1578. Sebastião foi amplamente considerado como
o "desejado" príncipe descrito por Bandarra e outros que levaria
Portugal a grandeza. Em vez disso, a curto reinado de Sebastião terminou
em tragédia em uma expedição militar contra o Marrocos, que Sebastião organizou,
culminando em sua morte em Alcaicer-Quibir, em 1578. Entre o devastado
povo português, tomou corpo a crença de que Sebastião não morreu em Marrocos, mas,
ao contrário, escapou e permaneceu na clandestinidade. Alguns acreditavam que
Sebastião retornaria em glória e inauguraria seu reinado profetizado.[86]
As denúncias e confissões ao inquisidor visitante na Bahia revelam que crenças
religiosas messiânicas e milenaristas faziam parte da religião popular da
Bahia. Muitos dos que denunciaram ao inquisidor eram cristãos-novos,
incluindo um que supostamente participou dos rituais da Santidade de Jaguaripe.[87] Uma comerciante cristã-nova recém chegada denunciou seu
companheiro na viagem marítima, Gregorio Nunes, como um cripto judeu que evitava
orações a bordo do navio, virava as costas para a cruz, e recitava versos
das Trovas de Bandarra a partir da memória.[88] Antes da missa, um
dia, três homens discutiram o Anti-Cristo, como ele viria antes do dia do juízo
final e faria um grande dano às pessoas boas.[89]
Idéias milenaristas, profecias e figuras messiânicas, então, eram dificilmente distantes
ou mesmo fantásticas no mundo da Bahia do fim do século XVI. Mas foi a
apropriação das profecias milenaristas por parte dos escravos e sua aplicação à
escravidão que fez a Santidade de Jaguaripe ameaçar os plantadores de açúcar e
funcionários reais.
A SANTIDADE DE JAGUARIPE uniu indígenas e africanos negros, escravos
e captivos em uma comunidade. Ela criou uma nova religião
que lhes validava em um mundo que não o fazia. Para alguns, um de seus
primeiros atos foi rejeitar violentamente o mundo que os oprimia. De
acordo com os jesuítas, ao passo que a "superstição" se espalhou junto
aos índios que viviam entre os portugueses, eles queimaram as casas dos
portugueses, destruiram as plantações de cana, arrasaram as usinas de açúcar até
o chão, e mataram os seus senhores, em seguida, fugiram.[90] O governador da Bahia, Manoel Telles Barreto, também
descreveu a Santidade como a causa de muita agitação na Bahia, porque a maioria
dos índios, livres e escravos, fugiram para se juntar à seita, e no processo de
plantações queimadas, os brancos mataram e maltrataram os irmãos jesuítas.[91] Álvaro Rodrigues
explicitamente descreveu ao inquisidor como a seita desafiou violentamente a
autoridade de proprietários de escravos: "se os senhores dos escravos
proibissem seus escravos de seguir o culto, os escravos se levantaram contra
seus senhores, eles feriram-lhes e mataram-lhes, roubaram e queimaram suas
propriedades. Isto colocou esta terra nas mãos daqueles do culto. Eles criaram
um tumulto e uma revolta geral contra os brancos e devastaram a todos"...[92] Outros se juntaram a Santidade secretamente e, depois de
longos dias de trabalho nas casas e plantações dos portugueses, ou nos domingos
e dias santos (quando as usinas deveriam estar inativas), eles se reuniram para
realizar os rituais que lhes deram uma nova identidade.[93]
Mais do que qualquer outro denunciante, Álvaro Rodrigues tentou explicar as
crenças da Santidade de Jaguaripe ao inquisidor de visitação. Rodrigues
era um mameluco e um senhor de engenho. Como Mameluco, ele entendia a
cultura indiana melhor do que a maioria dos plantadores de açúcar, mas, sobretudo,
como um plantador de açúcar, escravizador de indígenas, e proprietário de
escravos que ele era. As crenças da Santidade de Jaguaripe, em sua
opinião, necessitavam de um tipo de resposta diferente da que foi dada por
Fernão Cabral. Para Rodrigues, até que a fé milenarista dos crentes fosse
destruída, não haveria paz na Bahia. Ele disse ao inquisidor que, quando
ele levou os líderes da seita presos, eles disseram que "iriam voar para o
céu e que eles não tinham medo das espadas, nem das cadeias porque o ferro se
tornaria cera e não os feriria".[94] Para quebrar o poder dos líderes, que alegavam
que nenhuma espada poderia feri-lhes, ele teve que matá-los na frente de seus
seguidores. Só então, "depois que eles [os líderes] morressem, quando
os crentes vissem que o que eles diziam era falso" que ele teria controle
sobre eles, pois ele declarou, "muitos morreram aos seus pés por medo de
castigo e espanto, sem sinal de qualquer doença ".[95]
Episódios subseqüentes de resistência escrava na Bahia continuariam a
atormentar plantadores e funcionários reais. Poderia algum destes haver sido
igualmente milenarista? A evidência em questão é ainda mais fragmentada,
superficial e menos confiável. Mas esta evidência não revela que os índios
e os africanos juntaram-se na ocasião para resistir à ordem colonial e que
estas comunidades tinham características religiosas. Quando o rei Filipe I
nomeou-se governador do Brasil em 1588, Francisco Giraldes recebeu um conjunto
detalhado de instruções. Um dos problemas que estava a tratar foi a
resistência escrava africana e indígena. O rei afirmou que "há mais
de três mil índios... que têm causado muitos danos às propriedades dos meus
vassalos e que têm atraído para o seu lado todos os escravos da Guiné fugitivos".[96] No início do século XVII, o termo Santidade apareceu
em correspondência real como um descritor de índios fugitivo e escravos
africanos que praticavam a idolatria. Escrevendo para um governador posterior
do Brasil, Gaspar de Sousa, em 1613, o Rei Filipe II relatou ele entendeu que
"em dois ou três lugares existem grupos de índios e escravos africanos que
fugiram seus senhores e juntaram-se com os outros, e que eles viviam na
idolatria, e que eles chamavam suas comunidades santidades".[97] Porque esses índios e
escravos estavam roubando e matando, e seus números foram se multiplicando, o
rei temia a perda de sua renda real. Ele estava especialmente preocupado
com os índios que haviam se juntado ou que se aliaram com os negros em
rebelião – ou seja, com os escravos africanos fugitivos. Curiosamente, ele
sugeriu que o governador recorresse à Afonso Rodrigues, filho de Álvaro
Rodrigues, para ajudá-lo. Em outra carta, mais tarde no mesmo ano, o rei
se refere ao mesmo problema, nomeando Jaguaribe, quatorze léguas de Salvador na
fronteira das regiões selvagens, como um lugar onde "houve muitas revoltas
de índios, mortes de pessoas brancas e fugas dos escravos das plantações" e
que "trinta léguas distante está uma grande aldeia de índios em fugidos [gentio],
que eles chamam de Santidade ".[98]
Funcionários portugueses usaram o termo Santidade de tal forma que parece
referir-se às comunidades de escravos fugitivos.[99] Em 1610, o governador do Brasil escreveu ao rei que nas
selvas estava uma Santidade de índios e negros
de Guiné de mais de 20.000 almas, que ele pediu permissão para atacar
e escravizar.[100] Em 1612, Diogo de
Campos Moreno, um oficial Português nomeado para estudar o Brasil, usa mocambo,
o termo usado mais tarde para denotar uma comunidade de escravos africanos
fugidos e Santidade para descrever os males que assolam o Brasil. Moreno
escreveu que a coroa perdeu rendas devido a proibição da escravidão indígena e
por confiar os índios aos jesuítas. Ele atribuiu culposamente a aparição
de "mocambos entre os negros, ou os acampamentos de fugitivos,
que são chamadas santidades" e outros problemas em sua má
aprendizagem da doutrina cristã de seus tutores.[101] Moreno lamentou o fato de que os índios, que seriam de grande
utilidade para os colonizadores portugueses, estivessem, em vez disto, em
aldeias sob o controle dos jesuítas, e não faziam o trabalho para o qual foram
pagos. Quando os jesuítas tentava puni-los, ainda que levemente, "os
índios imediatamente fugiam para a floresta, onde eles criavam... rituais e
comportamentos abomináveis e juntavam-se aos negros da Guiné fugidos, e a
partir deste, mortes, roubos, escândalos, e violência como consequência, e por
estas razões, não é possível viajar através da selva, nem para os assentamentos
para aumentar o interior '".[102]
O uso de Santidade nesta correspondência oficial é
surpreendente, pois o termo tradicionalmente descria um estado
religioso. Em latim, sanctitas significa santidade,
santidade e pureza moral. Como vimos, em 1549, Manuel da Nóbrega usou santidad para
descrever a única cerimônia religiosa que ele encontrou entre os índios – aqueles
momentos em que um feiticeiro
indígena
pregava e prometia uma era de ouro, fazendo com que seus seguidores tremessem e
espumassem pela boca, após o qual ele os curava e a santidade (santidad)
entrava neles.[103] Mais de trinta anos depois, Fernão Cardim, secretário do
jesuíta da Visitação Cristovão de Gouveia, usou santidade no
sentido de Sua Santidade (Sua Santidade, como o papa católico) para descrever
os assistentes ( feiticeiros ), que se levantaram entre os
índios de tempos em tempos, conhecido como caraíbas. Seu uso
de santidade tem um significado religioso. Ele descreve
como um índio "de maus modos", promete que as enxadas irão trabalhar
por conta própria e as cestas vão encher-se com comida. "Bêbados",
os índios não conseguem cuidar de si mesmos ou até que suas
colheitas. Morrendo de fome, o grupo fica menor e menor até Sua Santidade
permanecer sozinho ou até matarem-no.[104]Em carta anual dos
Jesuítas de 1585, escrita em latim, Sanctitas é usado para se
referir a uma experiência religiosa – o estado de exaustão ou a loucura que os
seguidores da Santidade de Jaguaripe alcançavam através de seus rituais:
"Quando essas agitações são seguidas pelo silêncio de cansaço e, finalmente,
eles são lavados com água e santificados [sanctus], e quem quer que
tenha produzido os sinais mais horríveis é visto como o que atingiu maior santidade
[Sanctitas].[105]
Nas fontes da Inquisição, Santidade também tem um significado religioso. Ao
longo das fontes, refere-se tanto para o nome da seita ou ao estado de êxtase
religioso realizado pelos crentes. Aqueles que confessaram ou denunciaram usaram
Santidade para nomear a seita, mas qualificaram o uso da palavra. Gonçalo
Fernandes, por exemplo, afirmou que Santidade era o nome que os crentes deram a
sua religião: ele se referiu a "seu abuso [abusão] e idolatria que
eles chamavam de Santidade."[106] Fernandes também utilizou Santidade para
se referir ao estado alcançado pelos crentes depois de beber o fumo sagrado,
orando e falando em sua língua "inventada" ele declarou: "eles
beberam a referida fumaça, até que caíam bêbados com ela, dizendo que com a
fumaça o espírito da Santidade entrava neles".[107]
O termo claramente tinha um significado religioso como ele foi utilizado pelos
jesuítas e os moradores da Bahia na década de 1590. Se Santidade tinha
um significado religioso, então, devemos nos perguntar se posteriormente se o
termo fora utilizado por funcionários do governo e o rei para transmitir ou significar
uma experiência religiosa, também. Se assim for, estes casos mostram
exemplos adicionais de escravos de diferentes pátrias construindo um
vocabulário religioso comum para criar uma nova religião que modificasse e
reinterpretasse o cristianismo.
Ronaldo Vainfas afirma que as santidades eram as
"verdadeiras ancestrais" das comunidades de quilombos
no Brasil. As santidades, em sua opinião, eram comunidades de índios que
fugiram da escravidão nas plantações dos portugueses e do catecismo nas missões
dos jesuíticas. Pelo fato de os escravos africanos também participarem com
os índios em rituais comuns e de guerra contra a sociedade colonial, os mestres
de escravos temiam profundamente as santidades. Além disso,
Vainfas afirma que especificamente a Santidade de Jaguaripe tornou-se uma
precursora de uma forma indígena para a qual Palmares se tornaria, no século
XVII. "Na santidade baiana", escreve ele, "haviam rebeldes
africanos, assim como em Palmares deveria haver índios", ambos foram
revoltas contra o regime escravista colonial.[108]
Em uma região remota entre Salvador e Pernambuco, o famoso assentamento de escravos fugidos de Palmares
formou-se. Em 1602, o governador de Pernambuco, Diogo
Bothelho, organizou a primeira expedição contra cinco das seis aldeias de
fugitivos negros da Guiné localizadas nas regiões
selvagens.[109] Situado no atual estado de Alagoas, durante a tarde XVI
e início do XVII séculos, Palmares era remota o suficiente para ser defendido
pelos escravos fugidos, mas perto o suficiente para os escravos atacar
estradas, plantações, povoados, e até mesmo a cidade de Salvador. Recentes
escavações arqueológicas de Palmares revelam extensa influência indígena no
local, fato que reforça a imagem da comunidade como formada tanto por índios quanto
por africanos em busca de liberdade.[110]
Poderia Palmares, famoso quilombo do Brasil,[111] ter começado como um movimento milenarista? Os
estudiosos que estudaram Palmares indicam que há pouco no registro histórico
para sugerir que a comunidade fosse milenarista.[112] Na verdade, não
há descrições conhecidas de testemunhas oculares de rituais messiânicas ou
milenaristas em Palmares, ou para este assunto em qualquer outro quilombo em
Brasil.[113] No entanto, a religião teve um papel
importante em Palmares. Descrições de Palmares do século XVII revelam que as
comunidades tinham igrejas e sacerdotes. Um documento a partir da década
de 1640 descreve a religião de Palmares como "uma imitação da Portuguesa",
o que sugere crenças sincréticas. O mesmo documento refere-se à existência
de sacerdotes e ao fato de que o rei proibiu a feitiçaria.[114] Na
década de 1670, uma das descrições mais detalhadas dos Palmares informou,
"embora estes bárbaros tenham quase esquecido sua subjugação, eles não perderam
completamente fidelidade à Igreja. Há uma capela [capela],
para que eles se reúnam sempre que o tempo permita, e imagens [estátuas,
como a de santos] para que eles dirijam sua adoração.[115]
ENCONTRAR PROVA ESCRITA DO MILENARISMO entre as
comunidades de escravos fugidos é particularmente problemática, para eventos
milenares pela sua própria natureza são passageiras e muitas vezes
isoladas. Poucos escravos eram alfabetizados ou susceptíveis de produzir
os tipos de registros escritos necessários para a análise histórica várias
centenas de anos mais tarde. Na história judaica, Gershom Scholem observa
que a maioria dos movimentos messiânicos se esgotou e que "para alguns
cronistas contemporâneos ou escritores de letras nem mesmo um eco de muitos
desses movimentos chegou até nós. Ocasionalmente tradições sobre tal surto que
perdura na memória popular, mas depois de uma ou duas gerações tudo sé
esqueceria".[116] Na ausência de descrições escritas de milenarismo entre os
escravos, a maioria dos estudiosos têm desanimado a possibilidade de que ele
existia, particularmente entre os escravos africanos. No entanto, poderosa
resistência ao colonialismo milenarista pode ser encontrado na África, entre os
povos do Golfo da Guiné e do Bantu e Ba-Kongo, da África central – regiões
fortemente afetadas pelo comércio escravo.[117] Essa tradição pode ser vista, pelo menos, tão cedo quanto na
primeira década do século XVIII, quando a líder profética Beatrice criou
rituais que misturaram as crenças cristãs, africanas e indígenas, chamou seus
seguidores para restaurar a capital tradicional de São Salvador, e desafiou a
autoridade dos missionários capuchinhos.[118] No século XIX, a
justaposição dos ensinamentos missionários contra o pano de fundo da estrutura
do poder colonial criou um terreno fértil para movimentos
messiânicos. Igrejas messiânicas foram mais prevalentes onde o evangelismo
através de missionários fora extensa e onde a discriminação racial, instituída
por leis coloniais, era intensa.[119]
Em uma parte da diáspora africana, o milenarismo é uma parte reconhecida e
documentada da religião de escravos: o sul dos Estados Unidos. No início
deste século, W. E. B. Du Bois descreveu a religião Afro-Americana como milenarista
em sua mistura de elementos pragmáticos e evasivos.[120] Seguindo os passos de Du Bois, vários estudiosos da
religião dos escravos na América do Norte analisaram em detalhe considerável as
características milenarista e messiânica da religião dos escravos.[121] Entre esses
estudiosos, Lewis Baldwin argumenta que havia uma parte da religião de escravos
que fomentou a rebelião. Escravos que resistiram à escravidão, ele
escreve, "não só acreditavam na possibilidade de libertação de Deus no
aqui e agora, mas em suas próprias ações procuraram tornar essa possibilidade
uma realidade".[122]Algumas rebeliões de escravos tinham conotações milenaristas. As
considerações da rebelião de Nat Turner preservam a mais clara evidência de
escravos milenaristas. Eugene Genovese chama Turner de "profeta
messiânico cristão", enquanto Lewis Baldwin refere-se aos seguidores de
Turner como "escravos que tentaram cumprir a sua visão milenarista aqui na
terra." Em sua "confissão", Turner falou de visões,
revelações, milagres e sinais de Deus que o convenceram de que "o Salvador
estava prestes a abandonar o jugo que havia suportado pelos pecados dos homens,
e o grande dia do julgamento estava à mão".[123] Ele descreveu uma
batalha apocalíptica no céu, entre o bem e o mal, brancos e negros: "Eu vi
os espíritos brancos e espíritos negros engajados na batalha, e o sol foi
escurecido, o trovão rolou nos céus, e sangue fluiu nos rios".[124] A persistência da esperança milenarista para a salvação entre
os afro-americanos, os estudiosos argumentam, pode ser visto na literatura afro-americana,[125] bem como em novos movimentos
religiosos, como o Nação do Islã.[126]
Os estudiosos não têm desenhado os paralelos entre os EUA do Sul e o Brasil no
que diz respeito a o milenarismo e não têm pensado acerca dos quilombos brasileiros como
comunidades milenaristas, mesmo que brevemente, em suas origens.[127] No entanto, os nomes de alguns dos quilombos no
Maranhão, ao norte da Bahia, são tentadoras: São Luis, São Sebastião, e São
Benedito do Céu. Um quilombo chamado Cris-Santo
(Cristo-Santo?/Santo Cristo) tinha um rei com o mesmo nome.[128] Além disso, a
tradição milenarista no nordeste do Brasil, entre a população rural pobre é
profunda e longa.[129] Os escravos e ex-escravos se juntaram tais movimentos. Um
desses movimentos milenaristas em Sergipe, ao norte da Bahia, surgiu em 1888,
data da abolição da escravatura no Brasil, e praticamente replicou a Santidade
de Jaguaripe de 300 anos antes. Nesta seita, mamelucos, negros, fugitivos
e criminosos se uniram para criar um paraíso na terra através de rituais de
santidade, mais uma vez conhecida como "Santidade".[130] O mais famoso dos
movimentos milenaristas modernos do Nordeste brasileiro foi aquele liderado por
Antonio Conselheiro em Canudos, imortalizadp por Euclides da Cunha em Os
sertões (1944). Lá, os seguidores de Antonio, muitos dos quais
eram ex-escravos, retiraram-se da sociedade mais ampla para viver em uma
comunidade de sua própria construção para aguardar o arrebatamento no Dia do
Juízo.[131]
ATRAVÉS DA SANTIDADE DE JAGUARIPE, escravos na Bahia
articularam resistência à sociedade colonial, então, sendo construída pelos
colonos, funcionários da coroa, e os jesuítas. Eles se apropriaram do
vocabulário cristão rudimentar ensinado a eles pelos jesuítas e usaram para
criar uma nova experiência religiosa. Essa experiência, e sua linguagem
comum, proveram os meios para a definição de uma nova identidade entre pessoas
de países muito diferentes, que foram desumanizados pela escravidão e
colonialismo. As crenças milenaristas da seita extraídas a partir de
tradições Tupi-Guarani e judaico-cristã, criaram o contexto em que os
pregadores identificaram o mal com proprietários de escravos brancos, que seriam
punidos, quando Deus viesse para julgar. Esta visão moral permitiu que os escravos
vissem o poder do amo como mal. Atraiu-se escravos para resistirem a seus senhores neste
mundo e não sofrerem com a expectativa da salvação na
próxima. Com a promessa de uma intervenção sobrenatural, os escravos
desafiaram o controle físico que proprietários de escravos usaram para
mantê-los escravos. Depois de libertos, os escravos criaram uma nova
comunidade em que as regras vigentes eram muito diferentes. Esta nova
comunidade enfatizou o poder da transformação espiritual através de rituais de
limpeza, renomeção, dança, e "beber o fumo sagrado" do tabaco. Os
iniciados se tornavam santos e participavam ativamente das cerimônias
religiosas. Tão convincente foi esta visão de uma nova, espiritualmente
viva, comunidade que desafiou o próprio fundamento do colonialismo Português.
A Santidade de Jaguaripe apareceu
no início do processo de formação colonial no Brasil. Antes de sociedades
coloniais serem totalmente construídas pela coroa e igreja, havia aberturas –
momentos de confusão, divisão, ou incerteza – nas quais poderiam ter sido
tomadas diferentes direções. A Santidade de Jaguaripe ocorreu em tal
momento. A fé milenarista dos seguidores na invencibilidade de seus
líderes provou ser ilusória, pelo fato de os líderes da seita terem sido
feridos por espadas e contido por correntes. A busca pela independência
foi interrompida pelas autoridades coloniais. Mas os atos subsequentes de
resistência escrava e a persistência de um catolicismo popular milenarista no nordeste
brasileiro sugerem que o desejo para o tipo de comunidade que a Santidade de
Jaguaripe tentou criar não morreu. Se outros movimentos milenaristas de
escravos existiram no Brasil e se outras aberturas no início da construção de
outras colônias americanas permitiram movimentos milenaristas multi-étnicos
sincréticas de escravos emergirem são perguntas que convidam mais pesquisa
histórica.
_____________________________________________________________________
Alida C. Metcalf é professora de história na
Universidade de Trinity. Ela recebeu seu BA da Smith College em 1976 e seu
doutorado em 1983 pela Universidade do Texas em Austin, onde estudou com
Richard Graham. Um especialista em história do Brasil, ela é autora
de Family and Frontier in Colonial
Brazil: Santana de Parnaiba, 1580-1822 (1992), que foi agraciado com o
Harvey Johnson Book Award em 1993 e menção honrosa para o Prêmio Bolton em
1994. A pesquisa atual de Metcalf foca nas intermediações entre jesuítas e
mamelucos no Brasil do século XVI.
* A autora
deseja agradecer Drew Weston e Dorian Miller pela assistência na pesquisa, aos
participantes do Colóquio Internacional Brasil: Colonização e Escravidão
(Lisboa, 1996) pelos comentários sobre a primeira versão apresentada deste
artigo, aos colegas de Faculdade no Simpósio Dean's Faculty na Universidade de
Trinity por suas muitas sugestões, Sandra Lauderdale Graham e John McCusker por
suas leituras atentas do artigo, Ronaldo Vainfas por responder às inúmeras
perguntas, e Robert Rowland por permitir a consulta do seu índice inédito dos
julgamentos da Inquisição de Lisboa do século XVI.
¹ Esta
descrição da Santidade de Jaguaripe é traçada a partir da denúncia de Álvaro
Rodrigues no julgamento de Domingos Fernandes Nobre, Inquisição de Lisboa, à, IL, 10,776, Arquivo
Nacional da Torre do Tombo (Lisboa), à,
a ANTT; e a confissão de Gonçalo Fernandes, em seu julgamento, IL 17762,
ANTT. Pode ter havido duas congregações frouxamente ligadas (ou
recém-separadas) nas regiões selvagens; localizar exatamente onde elas estavam
é difícil. As referências são a Serra do Rios (SIC) Grande, a Serra das
Palmeiras, um lugar conhecido como palmeiras compridas (palmeiras),
um lugar conhecido na língua indígena como rioguasu, que o
informante traduziu como "grande frio". José Calasans acredita que
possa ter sido na Serra do Orobo; ver Fernão Cabral de Ataíde e a
Santidade de Jaguaripe (Bahia, 1952), 11-12.
² Vittorio
Lanternari, As religiões do Oprimido: Um
Estudo de cultos messiânicos modernos, Lisa Sergio, trans. Nova Iorque, 1963), xii.
³ Ted Daniels, Millennialism:
An International Bibliography (New
York, 1992), XXV.
4 O sacrifício
pode assumir a forma de se mudar para uma nova cidade santa, a partilha de bens
de uma pessoa, falha ao plantar as culturas necessárias para a sobrevivência,
ou passivamente retirar-se do mundo para esperar o amanhecer de uma nova
era. A retribuição pode ser violenta ou não violenta, mas os crentes esperam
um agente sobre-humano para derrotar o mal à solta no mundo, ver G.W. Trompf,
" Introduction ", em Trompf, ed,. Cargo Cults and Millenarian Movements:
Transoceanic Comparisons of New Religious Movements (Berlin, 1990), 7.
5
Embora os movimentos milenaristas sejam religiosos no tom, eles
invariavelmente se tornam políticos e, portanto, o conflito se agrava quando
seitas desafiam o direito e a autenticidade das autoridades políticas
existentes. Daniels, Millennialism, xxi-xxiv. Existem inúmeros
exemplos históricos deste conflito, por exemplo, que entre os Sioux e o governo
federal, documentado por James Mooney, The Ghost-Dance Religion and the
Sioux Outbreak of 1890 (Lincoln, Nebraska, 1991), a campanha de
1896-1897 do governo brasileiro contra a liderança do movimento milenarista por
Antonio Conselheiro em Canudos, epicamente descrita por Euclides da
Cunha, Rebellion in the Backlands, Samuel Putnam,
trans. (Chicago, 1944), ou o conflito mais recente entre os agentes
federais e o braço Davidianiano em Waco, Texas, em 1993, descrito por Philip
Lamy, Millennium Rage: Survivalists, White Supremacists, and the
Doomsday Prophecy (New York, 1996), 159-91.
6
A extensa bibliografia compilada por Ted Daniels, que anota 787 estudos e
listas de 3,762 títulos, não aborda a escravidão como uma categoria de
análise. No índice, "escravo" traz apenas dois títulos, ver
Daniels, Millennialism. A exceção é a presença de temas
estudados milenaristas das religiões de escravos do sul dos EUA, veja abaixo.
[7]
Lanternari, Religiões do Oprimido, 158. Além da Jamaica,
que abriga os rastafáris, cuja religião tem conotações milenaristas, e o Sul dos
EUA (veja abaixo), não há indicação de que uma possível associação entre a
escravidão e o milenarismo tenha vindo à tona na escrita histórica.
[8]
Como articulada em E. J. Hobsbawm, Rebeldes primitivos: estudos em
formas arcaicas dos movimentos sociais nos séculos 19 e 20 (New York,
1959), 57-92, a chegada do capitalismo moderno em uma sociedade camponesa
tradicional traz efeitos cataclísmicos como propriedades da igreja são
secularizadas, demarcação de terras, e os direitos consuetudinários
tirado. AS remotas vilas italianas e espanholas de Hobsbawm encontram
paralelos em outros lugares, quando as velhas formas não funcionam mais e a
velha compreensão do significado da vida não consegue explicar o
presente. Por exemplo, a rebelião do Contestado do Brasil (1912-1916) é
caracterizada como uma revolta camponesa contra a invasão do
capitalismo. Relações tradicionais patrão-cliente romperam-se ao passo que
alguns membros da elite local colaboraram com a capitalização da região, uma
vez isolados do sul do Brasil, em detrimento dos camponeses. O movimento
milenarista prometia recriar um passado idealizado pelos os camponeses cujas
vidas foram interrompidas e se agravou com a chegada da estrada de ferro,
empresas madeireiras, e a perda de direitos à terra tradicionais; ver Todd
Diacon, Millenarian Vision, Capitalist Reality: Brazil's Contestado
Rebellion, 1912-1916 (Durham,
N.C., 1991).
[9]
Ver Barbara L. Solow, ed,. Slavery and the Rise of the Atlantic System (Cambridge, Massachussets, 1991); Joseph
E. Inikori e Stanley L. Engerman, eds,. The Atlantic Slave Trade:
Effects on Economies, Societies, and Peoples in Africa, the Americas, and
Europe (Durham, NC, 1992), e John K. Thornton, Africa and
Africans in the Making of the Atlantic World, 1400-1680 (Cambridge, 1992).
[11]
Michael Adas, Prophets of Rebellion: Millenarian Protest Movements
against the European Colonial Order (Chapel Hill, NC, 1979), utiliza
uma abordagem comparativa para investigar movimentos milenaristas, provocados
pelo deslocamento das elites locais, que procuravam reviver a tradição e
expulsar os estrangeiros.
[12]
Ver Michel-Rolph Trouillot, Silencing
the Past: Power and the Production of History (Boston, 1995), 26-30, sobre
os quatro momentos onde os silêncios entram na produção histórica.
[13]
A resistência escrava é de grande interesse para a história brasileira, devido
à importância da escravidão no desenvolvimento brasileiro, mas essa literatura
nunca explorou se a resistência escrava poderia ter tomado formas
milenares. Veja, por exemplo, Maria Januária Vilela Santos, Balaiada
e a Insurreição de Escravos no Maranhão (São Paulo, 1983); Clóvis
Moura, Rebeliões da senzala: quilombos, insurreições, guerrilhas,
3d edn. (São Paulo, 1981); Moura, Quilombos: Resistência ao
escravismo (São Paulo, 1987); Waldemar de Almeida Barbosa, Negros e
quilombos em Minas Gerais (Belo Horizonte, 1972); Vicente
Salles, O negro no Pará: Sob o regime da Escravidão (Rio de
Janeiro, 1971); Julio José Chiavenato, O negro no Brasil: Da senzala a
Guerra do Paraguai (São Paulo, 1980); Lana Lage da Gama Lima, Rebeldia
negra e abolicionismo (Rio de Janeiro, 1981); João José Reis e Eduardo
Silva, Negociação e Conflito: A Resistência Negra no Brasil escravista (São
Paulo, 1989); Pedro Tomás Pedreira, Os quilombos brasileiros (Salvador,
1973), e Maria Amélia Freitas Mendes de Oliveira, A Balaiada não Piauí (Teresina,
1985). Stuart B. Schwartz revisão de literatura sobre a resistência dos
escravos, escravos, camponeses e rebeldes: Reconsiderando escravidão
brasileira (Chicago, 1992), revela igualmente nenhuma discussão sobre
o milenarismo entre os escravos. Mesmo o conhecimento mais recente não contém
nenhuma análise do milenarismo, veja João José Reis e Flávio dos Santos
Gomes, Liberdade por um fio: História dos quilombos no Brasil (São
Paulo, 1996). Alguns estudiosos consideram a possibilidade de milenarismo
nos 1.835 malê (muçulmano) revoltosos na Bahia, ver Howard Prince, "Slave Rebellion in Bahia, 1807-1835" (Tese
de doutoramento, Columbia University, 1972), e Viania Alvim, "Movimentos
proféticos, pré-politicos e contra-culturais dos negros islamizados na Bahia do
Século XIX: A Revolta dos Malês". (Tese de Mestrado, Universidade
Federal da Bahia, 1975). João José Reis rejeita esta abordagem, afirmando
que milenaristas destroem o mundo e esperam pela reconstrução divina, enquanto
os malês queriam reconstruir o mundo com suas próprias mãos. Veja "Um
Balanço dos Estudos sobre as Revoltas Escravas da Bahia", in: Escravidão
e Invenção da Liberdade: Estudos sobre o negro no Brasil., Reis, ed (
São Paulo, 1988), 119. Em seu excelente estudo da revolta, rebelião
de escravos no Brasil: A Revolta muçulmana de 1835 na Bahia, Arthur Brakel,
trans. (Baltimore, 1993), no entanto, Reis, inadvertidamente, descreve
implicações milenaristas para a revolta. A rebelião foi planejada para
coincidir com o Ramadã, a "noite do destino"; esta celebração "era
para ser o primeiro ato de uma nova era" (p. 119, grifo meu). Os
rebeldes acreditavam que "os sérios defensores dos, e, participantes da
sociedade escravista branca estavam do lado do mal, ao passo que os apocalípticos militantes
islâmicos estavam do lado do bem, e estavam felizes porque estavam trabalhando
para uma transformação apenas do mundo" (p. 120, grifo meu). Reis
descreve como os rebeldes usavam amuletos inscritos com textos religiosos, que
eles acreditavam que iria protegê-los na briga: ".. A vitória vem de Allah.
A vitória está perto. Boas novas
para todos os crentes", prometia o texto milenarista
em um amuleto confiscado pelo polícia", escreve Reis (p. 120, grifo
meu). É inteiramente possível que a revolta Malê tenha
influências milenaristas, dado que o Islã tem a sua própria tradição do
milenarismo, que gira em torno da vinda de um salvador, ou Mahdi, que vai enviar
os crentes para uma nova era, um tempo de justiça universal e bem-estar, antes
do final do mundo. Veja
Said Amir Arjomand ""Islamic Apocalypticism in the Classical Period",
na The Encyclopedia of
Apocalypticism, Bernard McGinn, John J. Collins, e Stephen J. Stein,
eds. (New York, 1999), 2: 238-83.
[14] Ver, por exemplo, como os críticos
descrevem o processo de criação de uma literatura pós-colonial em Bill
Ashcroft, Gareth Griffiths e Helen Tiffin, The Empire Writes Back: Theory and Practice
in Post-Colonial Literatures (London, 1989), 195.
[15]
Informação das terras do Brasil do P. Manuel da Nóbrega, Bahia, agosto
de 1549, em Monumenta Historica Societatis Iesu, Monumenta Brasiliae (Roma,
1956), 1: 150-52.
[16]
Calasans, Fernão Cabral de Ataíde, 5-9.
[17]
Ver Curt Nimuendajú-Unkel, Los mitos de creación y de destrucción
del mundo como fundamentos de la religion de los Apapokuva-Guaraní, Juergen
Riester G., ed. (Lima, 1978), Alfred Métraux, "Migrações historiques
des Tupi-Guarani," Journal de la Société des Américanistes de
Paris 19 (1931): 1-47; Métraux, La religion des Tupinamba et
ses rapports avec celle des autres tribus Tupi-Guarani (Paris, 1928),
201-52; Métraux, ""Messiahs of South America",Interamerican
Quarterly 3, não. 2 (1941): 53-60; Egon Schaden, Aculturação
e messianismo entre índios brasileiros (São Paulo, 1972), e Helene
Clastres, The Land-without-Evil: Tupi-Guarani
Prophetism, Jacqueline Grenez Brovender, trans. (Urbana, Illinois,
1995). Dentro da literatura, há divergências sobre se os movimentos
proféticos existiam antes da colonização ou surgiram como resultado disso, ver
Carlos Fausto "Fragmentos de história e cultura Tupinambá: Da etnologia
como instrumento crítico de conhecimento etno-histórico", em Manuela
Carneiro da Cunha, ed., História dos Índios no Brasil (São
Paulo, 1992), 385-87.
[18]
Maria Isaura Pereira de Queiroz coloca-o dentro de uma tipologia dos movimentos
messiânicos primitivos do Brasil in: O messianismo no Brasil e no Mundo (São
Paulo, 1965), 146-48, enquanto Rene Ribeiro o vê como parte da pré-conquista e dos
movimentos coloniais em "movimentos messiânicos brasileiros", in:
Sylvia L. Thrupp, ed,. Sonhos Millenial em Ação: Estudos em Movimentos
Religiosos Revolucionárias (New York, 1970), 57. Duas descrições
bem pesquisadas do movimento foram publicadas por Sonia Siqueira, "A
elaboração da espiritualidade do Brasil colônia: O Problema do
sincretismo", Anais do Museu Paulista 36 (1975): 211-28,
e Stuart B. Schwartz, Sugar
Plantations in the Formation of Brazilian Society, Bahia, 1550-1835
(Cambridge, 1985), 47-50.
[19]
Ronaldo Vainfas, A heresia dos Índios: Catolicismo e rebeldia no Brasil
colonial. (São Paulo, 1995), 64-69 Vainfas também depende da cuidadosa
situação de Schwartz do movimento como parte de um fenômeno maior de
resistência indígena na mais ampla história econômica da escravidão indígena e o
crescimento de plantações de açúcar na Bahia (ver Sugar Plantations, 47-50).
[20] Roger Bastide, The African Religions of Brazil: Toward a Sociology
of the Interpenetration of Civilizations, Helen Sebba, trans. (Baltimore,
1978), 173-74. Bastide vê a seita como um exemplo de messianismo indígena
e como uma manifestação precoce de catimbó - uma religião
popular indígena em que os afrobrasileiros participaram, mas não lideravam.
[21]
Bastide argumentou que um messianismo distintamente negro nunca surgiu no
Brasil porque a religião Africana sobreviveu em estado puro lá, o que manteve o
"negro em sintonia com a natureza, não [para] um futuro
problemático", e porque a sociedade brasileira "não tinha uma linha de
cor e, portanto, nenhum grupo pária". African Religions of Brazil, 362-63. Embora partes desta afirmação
soem vazias hoje, a influência de Bastide sobre a escrita da história da
escravidão no Brasil fez com que muitos estudiosos a aceitassem sua visão de
que a escravidão e o milenarismo não se misturam. Por exemplo, Queiroz
em O messianismo no Brasil, 299-300, segue Bastide em sua análise
dos negros no Brasil. Rene Ribeiro é um dos poucos a questionar este
pressuposto. Em "movimentos messiânicos no Brasil", afirma que
"Bastide era incapaz de explicar por que o negro brasileiro, enquanto
relegado para o degrau mais baixo da escala social e sujeito às frustrações
mais graves, nunca recorreram a movimentos messiânicos". Luso
Revista Brasileira 29 (1992): 76.
[22]
Ashcroft, Griffiths e Tiffin, Empire Writes Back, 89.
[23]
Carta Ânual jesuíta de 1585, Annuae Litterae Societatis Iesu, Anni
MDLXXXV (Roma, 1587), 129-41. Agradeço a Ronaldo Vainfas, Sandra
Lauderdale Graham, e Richard Graham por localizarem e copiarem a carta, e Colin
Wells por traduzi-la do texto latino.
[24]
O historiador jesuíta Pierre du Jarric escreveu sobre a Santidade de Jaguaripe:
R.P. Petri Iarrici, Thesaurus Rerum Indicarum (Coloniae
Agrippinae [Colônia], 1615), 374-78, e Histoire des choses mais
memorables advenues tout en Indes Orientales que autres pais de la decouverte
des Portugais, 3 vols. (Bordeaux, 1608-1610), 2: 319-23, o que sugere
que ele possa ter tido acesso a outras fontes. O grande historiador
jesuíta do Brasil, Serafim Leite, S. I., observa, contudo, apenas a carta Ânual
de 1585, ver História da Companhia de Jesus no Brasil (Rio de
Janeiro, 1938), 2: 22-24.
[25]
Os livros de denúncias e confissões foram publicadas pela primeira vez
como Primeira Visitação do Santo Ofício as partes do Brasil pelo
Licenciado Heitor Furtado de Mendonça: Confissões da Bahia 1591-1592 (Rio
de Janeiro, 1935), e Primeira Visitação do Santo Oficio as partes do Brasil Pelo Licenciado Heitor Furtado de Mendonça: Denunciações da Bahia
1591-1593 (São Paulo, 1925). Ronaldo Vainfas produziu uma
nova edição das confissões da primeira visita Inquisidorial, ver Santo Ofício
da Inquisição de Lisboa, Confissões da Bahia (São Paulo,
1997). Os registros completos dos julgamentos daqueles julgados pela
participação na seita são apenas encontradas na coleção de Inquisição de Lisboa
da ANTT.
[26]
Os seis ensaios são Domingos Fernandes Nobre, IL 10,776, ANTT, Fernão Cabral de
Tayde, IL 17,065, ANTT, Gonçalo Fernandes, IL 17762, ANTT; Iria Alvarez, IL 1,335,
ANTT, Cristovão de Bulhõis IL 7,950, a ANTT; e Pantalião Ribeiro, IL 11,036,
ANTT. O julgamento de Marcos Tavares, IL 11,080, ANTT, faz referência à
sua crença na Santidade, assim como o julgamento incompleto de Heitor Antunes,
IL 4,309, ANTT.
[27]
O nome indígena de Antonio foi Tamanduare de acordo com Paulos Dias, que também
disse que ele tinha "ouvido falar" que Antonio "costumava ser
dos jesuítas." Veja sua confissão no julgamento de Domingos Fernandes
Nobre, IL 10,776, ANTT. Bras Diaz afirmou que Antonio tinha cresceu nas
"missões" dos jesuítas e que ele tinha inventado a seita, veja a sua
confissão em Confissões da Bahia, 159. A ilha de Tinharé é exatamente
ao sul de Jaguaripe, na Capitania de Ilhéus. Os jesuítas tinham duas
missões na ilha, sendo que ambas foram fundadas em 1561, a pedido de um chefe
indígena da região que tinha sido batizado, veja Antonio Blasquez para Diogo
Lainez, 01 de setembro de 1561, Monumenta Brasiliae, 3: 424
-27. Na sua fundação, as missões tinham 6.000 moradores. No entanto,
as missões foram de curta duração, devido à praga severa e fome que estourou em
1563-1564. A vívida descrição do terror de que a peste, que aparentemente
chegou em um navio que desembarcou em Ilhéus, é contada em Leonardo do Vale de
Gonçalo Vaz de Melo, 12, Maio 1563, Monumenta Brasiliae, 4:
9-22. De acordo com Serafim Leite, os índios fugiram das duas aldeias de
missão após a praga; História da Companhia de Jesus, 2: 58.
[28]
Exame cruzado de Cristovão de Bulhõis em seu julgamento, IL 7,950, ANTT,
confissão de Luisa Rodriguez, Confissões da Bahia, 206.
[29]
Ver o julgamento de Fernão Cabral, especialmente a carta de Manoel Telles
Barreto, IL 17065, ANTT, bem como o julgamento de Domingos Fernandes Nobre, IL
10,776, ANTT. Nobre, mais conhecido por seu apelido indiano
"Tomacauna," é um exemplo fascinante de uma raça mista intermediário.
Porque ele era capaz de negociar entre os mundos índio e português, ele e
outros como ele eram aliados inestimáveis para os primeiros colonos
portugueses Veja Alida C. Metcalf, "Intermediarios no mundo
portugues: Lancados, pombeiros e mamelucos do seculo XVI," Sociedade Brasileira de Pesquisa Histórica
13 (1997): 3-13.
[30]
Ver os julgamentos de Domingos Fernandes Nobre, IL 10,776, ANTT, Cristovão de
Bulhõis, IL 7,950, ANTIT e Pantalião Ribeiro, IL 11,036, ANTT.
[31]
A explicação mais óbvia para o comportamento de Cabral era de que ele buscou
obter trabalho para a sua plantação. Seu parente, por exemplo, afirmou
que, através de sua iniciativa, ele trouxe os índios das selvas, o que sugere
que Cabral pagou pela expedição da mesma forma que outros plantadores pagavam por
expedições para obter índios das selvas. Veja denúncia de Francisco
d'Abreu, em Denunciações da Bahia, 315-16. Quando o Inquisidor
da visitação perguntou a Domingos de Oliveira por que Cabral se comportou como
ele se comportou, Oliveira respondeu que era para "adquirir os
índios"; Denunciações da Bahia, 266. Domingos de Almeida afirmou que
"foi dito" que Cabral autorizou a Santidade de modo a adquirir muitos
escravos; Denunciações da Bahia, 251.
[32]
Francisco d'Abreu, Denunciações da Bahia, 315-16; Antonio da
Fonsequa, Denunciações da Bahia, 346-47; Domingos de Oliveira, Denunciações
da Bahia, 264-65; Bernaldimo Ribeiro da Gram, Denunciações da Bahia,
381 -82; Belchior da Fonsequa, Denunciações da Bahia, 276-78, e
outros referem-se ao papel de uma mulher conhecida como "Mãe de Deus"
ou "Santa Maria" na propriedade de Cabral.
[33]
Gonçalo Fernandes afirmou em sua confissão de que a fama da seita foi tão
grande em toda a Capitania da Bahia que todos os índios, tanto escravos e
livres, ou fugiram de seus senhores para se juntar à seita em Jaguaripe ou
adotaram crenças da seita e seguiram seus rituais onde eles estavam, ver o seu
julgamento, IL 17,762, ANTT. Maria Antunes descreveu uma mulher mameluca
em Matoim que se juntou a seus escravos e fez as cerimônias com eles, Denunciações
da Bahia, 411.
[34]
Julgamento de Fernão Cabral, IL 17,065, ANTT. A confissão de Cristovão de
Bulhõis, IL 7,950, ANTT, afirma que o sobrinho do governador também tinha
entrado no templo e reverenciado o ídolo.
[35]
Francisco d'Abreu, Denunciações da Bahia, 315-16; Bernaldimo Ribeiro da Gram, Denunciações da Bahia, 381-82;. Manoel
Telles Barreto para Bernaldimo Ribeiro da Gram no julgamento de Fernão Cabral. Cabral,
no entanto, declarou em sua confissão de que ele ordenou que a seita se desfizesse
e queimou o templo. Ele ainda, mais adiante, afirma que entregou ao
governador a "Mãe de Deus", o marido dela e todos os escravos a quem
ele havia ordenado serem trouzidos desde as regiões selvagens até sua
propriedade; veja julgamento de Fernão Cabral, IL 17,065, ANTT.
[36]
Ver a certidão de Manoel Telles Barreto e as denúncias de Álvaro Rodrigues e
Diogo Dias no julgamento de Fernão Cabral, IL 17,065, ANTT; Vainfas, A
heresia dos Índios, 98-99.
[37]
Carta Ânual jesuíta de 1585, Annuae Litterae.
[38]
Cabral alegou que ele deu ao ídolo, o líder da seita ("Mãe de Deus"),
seu marido, e os escravos que os seguiram com o governador, IL 17,065,
ANTT. Francisco d'Abreu afirmou que os líderes foram enviados para
Portugal; Denunciações da Bahia, 316; Manoel Telles Barreto afirmou que
ele enviou a "Mai de Deus" (Mãe de Deus) e seu marido para Portugal,
mas que o "papa" tinha desaparecido; certidão de Barreto no
julgamento de Fernão Cabral, IL 17065, ANTT.
[39]
Estudos de Fernão Cabral, IL 17,065, Domingos Fernandes Nobre, IL 10,776;
Gonçalo Fernandes IL 17,762; Iria Alvarez, IL 1,335; Cristovão de Bulhõis, IL 7,950,
e Pantalião Ribeiro, IL 11,036, ANTT.
[40]
Sobre a história da produção de açúcar no Brasil, e sua modelagem da
experiência das ilhas do Atlântico, ver Schwartz, Sugar Plantations,
3-27. Sobre a história dos primeiros jesuítas no Brasil, a obra de Serafim
Leite fornece uma base abrangente se acrítica, ver História da Companhia de Jesus, vols. 1-2, para a síntese moderna, ver Dauril
Alden, The Making of an Enterprise: The Society of Jesus in Portugal,
Its Empire, and Beyond, 1540-1750 (Stanford, Califórnia, 1996), 71-75,
474 - 83.
[41]
A colonização inicial do Brasil repousava sobre a escravidão indígena, e a escravidão
indígena persistiu mesmo após o tráfico de escravos da África estar bem
estabelecido no século XVII. Jesuítas encontraram-se em uma posição
desconfortável entre os colonos, cujos eles queriam alistar na sua missão
evangélica entre os índios, e os índios, o quais eles queriam proteger da
escravidão. Veja Thomas
M. Cohen, The Fire of Tongues: António
Vieira and the Missionary Church in Brazil and Portugal (Stanford,
Califórnia, 1998), 13-49, e Alden, Making
of an Enterprise, 479-501. Sobre o impacto devastador da escravidão
indígena na Bahia do século XVI, ver Schwartz, Sugar Plantations,
28-72. Padrões semelhantes se repetiram em outros lugares em séculos
posteriores, ver John Manuel Monteiro, Negros da terra: Índios e
bandeirantes nas Origens de São Paulo (São Paulo, 1994); John
Hemming, Red Gold: The Conquest of the Brazilian Indians (Cambridge,
Massachusetts, 1978), e David Sweet, "Rich Realm of Nature Destroyed: The
Central Amazon Valley, 1640-1750" (tese de doutoramento da Universidade de
Wisconsin, 1974). Na legislação Portuguesa sobre a escravidão indígena, veja
Beatriz Perrone-Moisés, "Índios livres e índios Escravos: Os Principios da
Legislação indigenista fazer período colonial (Séculos XVI a XVIII) ", em
M. Cunha, História dos Índios no Brasil, 115-32.
[42]
Información de los padres y hermanos que ay de la Companhia de Jesus en el
Brasil y sus occupaciones, 1584, Brasiliensis Provincia et Maragnonensis, daqui
por diante, BRAS, 5, 1: 18, Archivum Romanum Societatis Iesu, daqui por diante,
ARSI.
[43]
Este relatório, conhecido como "Informação dos Primeiros
aldeiamentos da Bahia" ou "Primeiros aldeamentos na Baía", foi
atribuído a José de Anchieta. Entretanto, Hélio Abranches Viotti acredita
que Anchieta não escreveu o próprio relatório, embora, como Jesuíta Provincial,
certamente ele ordenou-lhe o escrito. Viotti acredita que o autor provável
seja Luis da Fonseca ou possivelmente Quirício Caxa. Para o texto, veja
José de Anchieta, Textos Históricos (Rio de Janeiro, 1989),
153-87. Ele também está impresso em Anchieta, Cartas: Informações fragmentos históricos e sermões (Belo Horizonte,
1988), 357-402, e Anchieta, Primeiros aldeamentos na Baía (Rio
de Janeiro, 1946).
[44]
Carta Ânua de 1581, em José de Anchieta, S.J., Cartas: Correspondência
Ativa e Passiva, Hélio Abranches Viotti, SJ, ed. (São Paulo, 1984),
308.
[45]
Schwartz observa que na década de 1550 e 1560 praticamente não houve escravos
africanos nas plantações de açúcar do Nordeste. Por volta de 1591, o
comércio de escravos no Atlântico trouxe um suprimento constante de escravos
africanos, e, enquanto escravos indígenas ainda trabalhavam nas plantações, os
africanos ocupavam os postos de trabalho qualificados. Veja Sugar
Plantations, 66-68. Os jesuítas possuíam escravos africanos, já em
1558 e, em 1583 o Colégio da Bahia, possuía setenta escravos africanos, ver
Alden, Making of an Enterprise,
507-09.
[46]
Carta Ânua de 1581, em Anchieta, Cartas: Correspondência, 312.
[47]
Na Chapada do Araripe, cerca de 180 léguas de Salvador, por exemplo, os
jesuítas entraram em confronto com os caçadores de escravos Mamelucos
encomendados pelos senhores de engenho. Os jesuítas intencionavam trazer
mil índios para suas missões costeiras, mas comerciantes de escravos mamelucos
pregaram contra os jesuítas e convenceram muitos dos índios a se voltarem
contra eles. Os jesuítas voltaram com apenas 250 índios, enquanto os
comerciantes escravizaram muitos dos outros, veja Carta Ânua de 1581, em
Anchieta, Cartas: Correspondência, 310-11, e Anchieta,
"Informação dos Primeiros aldeiamentos," Textos Históricos,
153-87. O texto "Articles touching the dutie of the Kings Majestie
our Lord, and to the common good of all the estate of Brasill (sic)", in: Hakluytus Posthumus or Purchas His Pilgrimes (Glasgow,
1906), 16: 503-17, possivelmente, de autoria de Fernão Cardim, contém uma longa
descrição das expedições escravistas de indígenas do mamelucos. Veja
também o julgamento da Inquisição de Francisco Pires, um comerciante de
escravos mameluco, que confessou à pregação contra os jesuítas, IL 17809, ANTT.
[48]
Diogo Dias, Fernão Ribeiro de Sousa, Francisco d'Abreu, Gaspar de Gois, Gaspar
de Palma, João d'Avila, Julio Pereira, Francisco Roiz Castilho, Manoel de
Paredes, Maria de Oliveira, Nuno Pereira de Carvalho, e Pauloa de Almeida usam
o termo gentio, veja suas denúncias em Denunciações da
Bahia.
[49]
Denúncias de João Ribeiro, Maria da Fonseca, João Brás, Antonio da Fonsequa, e
Pero de Moura em Denunciações da Bahia.
[50]
Denúncias de Domingos de Oliveira, Maria Antunes, João Brás e Álvaro Sanchez
em Denunciações da Bahia.
[51]Há
duas referências específicas aos escravos ou negros da
guiné na denúncia de Maria Carvalha, Denunciações da Bahia,
550, e na denúncia de Álvaro Rodrigues no julgamento de Fernão Cabral, IL 17,065,
ANTT. Nos registros da Inquisição, como nas cartas jesuíticas e relatórios
da mesma época, escravos da guiné ou o menos comum Escravos
de Angola foram usados para se referir aos escravos
africanos. Embora a especificidade dos termos sugiram que esses escravos
eram provenientes das regiões da África, a maioria dos historiadores consideram
"Guiné", quando usada no século XVI, por ser um termo genérico que se
refere a costa ocidental da África. Veja Pierre Verger, Trade
Relations between the Bight of Benin and Bahia from the Seventeenth to the
Nineteenth Centuries, Evelyn Crawford, trans. (Ibadan, 1976),
3; Bastide, African Religions of Brazil,
de 46. Um escravo que depôs ao Inquisidor da visitação, na Bahia, por
exemplo, foi descrito como "Duarte negro de Guiné, Filho de gentio de
Angola"; Denunciações da Bahia, 408. Um mapa do século
XVI rotula claramente Guiné como a terra em frente à Baía de Biafra, em frente
às ilhas de São Tomé e Príncipe, de onde o comércio de escravos africanos do
século XVI emanava; Fernão Vaz Dourado, Atlas c. 1576,
Biblioteca Nacional, em Lisboa. A maioria dos escravos embarcados para o
Brasil no final do século XVI teria vindo de São Tomé ou a partir dos portos de
escravos mais recentes em Angola.
[52]
Denúncias de Belchior da Fonsequa, Denunciações da Bahia, 277-78; Antonio da
Fonsequa, 346-47; Joam Bras, 351; Álvaro Sanchez, 308; Bernaldimo Ribeiro da
Gram, 381-82; Fernão Cardil [sic], 327-28, e João da Rocha Vicente, 447-48.
[53]
A denúncia de Paulo Adorno no julgamento de Fernão Cabral, IL 17,065,
ANTT.
[54]
A denúncia de Álvaro Rodrigues fazia parte de um livro de denúncias do
Recôncavo que foi perdido, portanto apenas os estudiosos que consultaram os verdadeiros
julgamentos da Inquisição em Lisboa viram seu relatório. Siqueira, que leu
Rodrigues, caracteriza a Santidade de Jaguaripe como um movimento que uniu
índios, negros e mamelucos, veja "A elaboração da espiritualidade";
Vainfas, que leu Rodrigues, afirma que os escravos africanos aderiram ao
movimento por razões "impossíveis para nós conhecermos"; A
heresia dos Índios, 158, embora em um artigo mais recente, ele enfatiza a
importância da participação dos escravos africanos na Santidade de Jaguaripe,
ver Ronaldo Vainfas, "Deus contra Palmares - Representações senhoriais e
Idéias Jesuíticas, "in Reis e Santos Gomes, Liberdade por um fio,
60-80. Eu discuto este artigo abaixo.
[55]
A denúncia de Álvaro Rodrigues, no julgamento de Domingos Fernandes Nobre, IL
10,776, ANTT.
[56]
Denunciações da Bahia, 550.
[57]
Ver análise de Siqueira sobre o sincretismo da seita em "A
elaboração da espiritualidade."
[58] Cristian Parker, Popular Religion and Modernization in Latin America: A Different Logic,
Robert R. Barr, trans. (Maryknoll, Nova Iorque, 1996), 12-13.
[59]
Parker, Popular Religion and Modernization,
232.
[60]
Confissão de Gonçalo Fernandes, IL 17,762, ANTT.
[61]
Confissão de Domingos Fernandes Nobre, em seu julgamento, IL 10,776, ANTT,
confissão de Pantalião Ribeiro em seu julgamento, IL 11,036, ANTT.
[62]
Pantalião Ribeiro usou as palavras balindo e uivando em sua confissão, IL
11,036, ANTT; vários descrevem os movimentos de agitação dos rituais, veja a
confissão de Domingos Fernandes Nobre, em seu julgamento, IL 10,776, ANTT e
denúncia de Paulo Adorno em o julgamento de Fernão Cabral, IL 17,065, ANTT.
[63]
Carta jesuíta Anual de 1585, Annuae Litterae.
[64]
O primeiro jesuíta Jerónimo Nadal definiu o ministério jesuíta, conforme
indicado para aqueles "para aqueles que não tem ninguém para se importar
ou, se tem alguém para cuidar, o cuidado é negligente", o que significava
que os jesuítas ministraram especialmente para com os pobres e os
marginalizados, ver John W. O'Malley, The
First Jesuits (Cambridge, Massachussets, 1993), 72-73.
[65]
"Enformacion de la Provincia del Brasil para Nuestro Padre, in: Frederic Mauro, Le
Bresil au XVIIe siècle: Documentos inedits relatifs um portugais l'Atlantique (Coimbra,
1961), 143. Embora este relatório esteja assinado pelo jesuíta visitante
Cristovão de Gouveia, seu provável autor é Fernão Cardim veja também as
cartas Anuais de José de Anchieta, "Carta Ânua da Província do Brasil, de
1583," em Anchieta, Cartas: Correspondência, 344-61, e
"Carta Ânua de 1584, ou breve narração das coisas atinentes aos colégios e
residências, existentes Nesta Província do Brasil ", em Anchieta, Cartas:
Correspondência, 368-86. O jesuíta da visitação para as missões também
comenta repetidamente sobre a missão dos jesuítas para os escravos, ver
Cristovão de Gouveia para Claudio Aquaviva, 01 de novembro de 1584, Lusitânia,
a seguir, LUS, 68, 407-09 Epp, ARSI; e o relatório Gouveia de sua visita ao
Brasil, "Visitas dos Padres", BRAS 2, 139-49, ARSI.
[66]
Gouveia, "Visitas dos Padres", BRAS 2, 139-49, ARSI.
*
Estas contas são as contas que constituem colares e outros adereços
corpo-ornamentais comumente usados hoje em dia. Em inglês, beads se refere exatamente a este tipo de conta e não às contas do
tipo financeiras e afins (Nota do tradutor).
[67]
Confissão de Bras Dias, Confissões da Bahia, 159.
[68]
Carta jesuíta anual de 1585, Annuae Litterae.
[69] Thrupp, Millennial Dreams in Action, 12.
[70]
Composto por volta de 165 a.C, no auge da Revolta dos
Macabeus, o Livro de Daniel profetiza que Israel vai derrubar o império grego
e, posteriormente, dominar o mundo. Norman Cohn resume as imagens de
Daniel: "O mundo é dominado por um mal, o poder tirânico de destruição sem
limites – um poder além do mais que se imagina, não como simplesmente humano,
mas como demoníaco. A tirania de que o poder vai se tornar cada vez mais escandaloso, os sofrimentos de suas
vítimas cada vez mais intolerável – até que de repente a hora baterá quando os
santos de Deus serão capazes de se levantar e derrubar-lo. Então os próprios
santos, os escolhidos, povo santo que até agora gemeu sob o calcanhar do
opressor, deve, em sua vez herdar o domínio sobre toda a terra. Este será o
ponto culminante da história. " Cohn, The Pursuit do
Millennium (Londres, 1957), 4.
[71]
Como Cohn explica, "mais do que qualquer outra religião, os centros
de religião judaica sobre a expectativa de uma futura Idade de Ouro; e o
cristianismo, desenvolvido do judaísmo herdou essa expectativa." Norman Cohn, ""Medieval Millenarism:
Its Bearing on the Comparative Study of Millenarian Movements", in:
Thrupp, Millennial Dreams in Action,
31-43, ver também Gershom Scholem, Sabbatai Sevi: The Mystical Messiah, 1626-1676, RJ Zwi Werblowski, trans. (Princeton,
NJ, 1973), 95.
[72] Rev. 19-21; ver Cohn, Pursuit of the Millennium, 7-10.
[73] Trompf, Cargo Cults and Millenarian
Movements, 1. De acordo com Scholem, o intenso ódio do Império
Romano (a "prostituta da Babilônia" no Livro do Apocalipse),
combinada com visões da tradição apocalíptica judaica (com alguns elementos
cristãos) fazem Apocalipse [ou Revelações] um dos livros mais revolucionários
da literatura; Sabbatai Sevi, 95-97.
[74] Carole Myscofski, "Messianic
Themes in Portuguese and Brazilian Literature in the Sixteenth and Seventeenth
Centuries", Revisão Luso Brasileira 28 (1991): 77-94. Marjorie
Reeves descreve os jesuítas como a uma ordem que herdou a perspectiva milenar
de Joaquimism no século XVI, pois ela afirma que eles se viram acusados de
evangelizar o mundo e cumprindo as profecias que anunciavam a segunda vinda de
Cristo, ver Reeves, The Influence of Prophecy in the Later Middle Ages: A Study
in Joachimism (Notre Dame, Indiana, 1993), 274-90. As crenças milenares de
Antonio Vieira, jesuíta do século XVII influente no Brasil e Portugal, são bem
conhecidos, ver Cohen, Fire of Tongues. O retrato dos jesuítas desenhados
por Cohen e Reeves Myscofski suporta a tese de que os jesuítas introduziram uma
visão milenar no Brasil. Mas John W. O'Malley não caracteriza os primeiros
jesuítas como milenaristas, mas, ele vê como prática em seu pensamento e não
apocalíptica. First
Jesuits, 262, 269, 322, 372.
[75]
José de Anchieta, Doutrina Cristã (São Paulo, 1992), 1:
172-75.
[76]
Exame cruzado da Iria Alvares em seu julgamento, IL 1,335, ANTT.
[77]
Confissão de Cristóvão Bulhõis em seu julgamento, IL 7,950, ANTT.
[78]
Confissão de Gonçalo Fernandes, em seu julgamento, IL 17,762, ANTT.
[79]
Confissão de Luisa Rodrigues, Confissões da Bahia, 206.
[80] Cohn, Pursuit of the Millennium, 14; Daniels, Millennialism,
xiv. Na Europa medieval, Cohn argumenta, visões milenaristas assumiram
formas revolucionárias entre aqueles que viviam nas cidades em rápido
crescimento, onde o comércio e a indústria redefiniram radicalmente a vida
familiar e social. As grandes populações marginais das cidades viviam em
um estado de frustração e ansiedade crônicas com poucos direitos e conexões
sociais limitadas. Qualquer interrupção dos familiares, tais como a
guerra, a fome, a peste, uma cruzada, tendeu a empurrar as pessoas que viviam no
limite salvacionista em grupos liderados por alguém considerado santo; Pursuit of the Millennium, 30-32.
[81]
A reconquista de Granada aos Mouros em 1492 e a expulsão dos judeus da Espanha,
no mesmo ano, acendeu as chamas de um catolicismo militante com tons milenaristas. A
expansão da Europa ocidental na África e nas Américas, muitos acreditavam,
poderia culminar em uma redenção de características milenaristas. Os
diários de Colombo expressam essa crença, assim como os febris batismos de
índios em massa no México pelos franciscanos, que acreditavam que a conversão
dos últimos remanescentes gentios iria apressar o dia da volta do
Messias. Veja Roberto Rusconi, o "Book
of Prophecies", editado por Cristovão
Colombo, Blair Sullivan, trans. (Berkeley, Califórnia, 1997), 31-33; John Leddy
Phelan, The Millennial Kingdom of
the Franciscans in the New World, 2 ª ed. (Berkeley, 1970), e Jacques
LaFaye, Quetzalcóatl and Guadalupe: The Formation of Mexican National
Consciousness, 1531-1813, Benjamin Keen, trans. (Chicago,
1976).
[82]
A crença generalizada na iminente chegada do Messias levou os judeu à uma
guerra devastadora contra os romanos, que culminou, em 70 dC, com a conquista
de Jerusalém e a destruição do Templo. A partir daí, dispersa, sem uma
nacionalidade, os judeus continuaram a imaginar a guerra apocalíptica que iria
reunir as comunidades dispersas, restaurá-los à sua terra natal, e punir seus
opressores. No primeiro século d.C, as profecias apocalípticas de Esdras e
Baruch retrataram o Messias como um poderoso guerreiro que não seria só derrotaria
os romanos, mas vingaria Israel, destruindo todos aqueles que outrora
governaram sobre os judeus, e, em seguida, estabeleceria um paraíso terrestre
feliz. Na Idade Média, uma milenarista e utópica imaginação permaneceu em uma
parte muito importante da perspectiva judaica. De acordo com Cohn, os
massacres de judeus do décimo primeiro ao décimo quarto séculos produziram
messias que lideraram movimentos milenaristas, assim como expulsou os judeus da
Espanha e Portugal. Ainda mais tarde, a pregação de Sabbatai Sevi uniu
praticamente toda a diáspora judaica na expectativa milenarista, no século
XVII. Veja Cohn, Pursuit of the Millennium, 5-15, e
Scholem, Sabbatai Sevi.
[83] Stephen Sharot, "Jewish
Millenarianism: A Comparison of Medieval Communities," Comparative Studies in Society and History 22
(1980): 394-415; John Edwards, "Elijah and the Inquisition: Messianic
Prophecy among Conversos in Spain, c.
1500," em Edwards, Religion and
Society in Spain, c. 1492 (Aldershot, Hampshire,
1996), 79-94; W. William Monter, ""The Death of Coexistence: Jews and
Moslems in Christian Spain, 1480-1502", in: The Expulsion of the Jews: 1492 and
After, Raymond B. Waddington e Arthur H. Williamson, eds. (Nova
Iorque, 1994), 12.
[84]
Maria José Ferro Tavares, "O messianismo judaico em Portugal (1ª
Metade do Século XVI)," Luso-Brazilian Review 28 (1991):
141-51; Carole Myscofski, When Men Walk
Dry: Portuguese Messianism in Brazil (Atlanta, Geórgia, 1988), 47-48.
[85]
Ver Tavares, "O messianismo judaico"; Myscofski, When Men Walk Dry, 52-54; Jacqueline
Hermann, No reino do Desejado: A construção do fazer sebastianismo em
Portugal, Séculos XVI e XVII (São Paulo, 1998), 23 -72. Os poemas
estão disponíveis como Trovas do Bandarra, 9ª ed. (Porto,
1866), facs. ed. em António Machado Pires, D. Sebastião e o
encoberto, 2d ed. (Lisboa, 1982), 125-45.
[86]
Hermann, No reino do Desejado, Machado Pires, Dom
Sebastião EO encoberto, 123-45; sobre a polêmica em torno do papel dos
jesuítas nesses eventos (jesuítas foram assessores de D. Sebastião), ver Alden,
Making of an Enterprise, 79
-91. Para o impacto do sebastianismo no Brasil, ver Myscofski, ""Messianic
Themes in Portuguese and Brazilian Literature", 77-94.
[87]
Um julgamento para o cristão-novo Heitor Antunes foi iniciado pelo Inquisidor
visitante por causa de sua participação nos rituais associados com a Santidade
de Jaguaripe, mas Antunes morreu antes do julgamento ser concluído; ver IL 4,309,
ANTT. A nova comunidade cristã de Salvador da Bahia, no momento da segunda
visita no início do século XVII tem sido estudada por Anita Novinsky, Cristãos
Novos na Bahia (São Paulo, 1972).
[88]
De acordo com seu acusador, Nunes recitou as Trovas, porque ele
estava esperando o Messias; denúncia de João Bautista, Denunciações da
Bahia, 317.
[89]
A denúncia de Antonio Guedes, Denunciações da Bahia, 421-22.
[90]
Carta jesuíta Anual de 1585, Annuae Litterae.
[91]
Carta de Manoel Telles Barreto no julgamento de Fernão Cabral, IL 17,065, ANTT.
[92]
A denúncia de Álvaro Rodrigues, no julgamento de Domingos Fernandes Nobre, IL
10,776, ANTT.
[93]
A denúncia de Paulo Adorno no julgamento de Fernão Cabral, IL 17,065, ANTT.
[94]
A denúncia de Álvaro Rodrigues, no julgamento de Domingos Fernandes Nobre, IL
10,776, ANTT.
[95]
A denúncia de Álvaro Rodrigues.
[96]
Regimento de Francisco Giraldes, no Instituto do Açúcar e Álcool, Documentos
pará a história do açúcar (Rio de Janeiro, 1963), 1:.
359-60 Quando o rei Filipe II de Espanha tomou a coroa de Portugal,
tornou-se Philip I de Portugal, e Francisco Giraldes (Geraldes) foi seu
primeiro governador; no entanto, nunca Giraldes chegou ao Brasil. Veja
Joaquim Veríssimo Serrão, Do Brasil filipino ao Brasil de 1640 (São
Paulo, 1968), 35-39. O rei na verdade se refere especificamente a
Jaguaripe, o que levou o historiador Stuart Schwartz a ligar estas instruções
para a Santidade de Jaguaripe e sugerir que eles provam que o antecessor de
Giraldes (Governador Manoel Telles Barreto) não tinha conseguido destruir a
seita; veja Sugar Plantations,
48, e Stuart B. Schwartz, ""The Mocambo:
Slave Resistance in Colonial Bahia", Revista de História Social 3
(1970): 313-33. No entanto, as palavras do rei são enigmáticas, pois localiza Jaguaripe entre
Pernambuco e Bahia, quando na verdade, Jaguaripe fica ao sul da cidade de
Salvador, no extremo sul do Recôncavo, e em nenhum lugar perto da estrada por
terra para Pernambuco. A maioria dos estudiosos contam com uma cópia do
Regimento existente no Rio de Janeiro, publicado em Revista do
Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, 67, parte 1, 220-36,
rpt. in: Documentos para a história do açúcar, e in: Marcos
Carneiro de Mendonça, Raízes da Formação Administrativa do Brasil (Rio
de Janeiro, 1972), 1: 259-77. Eu não encontrei o documento original.
[97]
Rei Filipe para Gaspar de Sousa, 19, Janeiro de 1613, em Cartas d'el
Rey Escriptas aos Sres Alvaro de Sousa e Gaspar de Sousa, transcrita por
Deoclecio Leite de Macedo (Rio de Janeiro, 1989).
[98]
Rei Filipe para Gaspar de Sousa, 24, Maio de 1613, in: Cartas d'el Rey. A
carta afirma claramente Jaguaribe, não Jaguaripe.
[99]
Eu não sou a primeira a ver esta coincidência, comparar Ivan Alves
Filho, Memorial dos Palmares (Rio de Janeiro, 1982),
10-11.
[100]
Diogo de Meneses ao rei Filipe, 1 de setembro de 1610, Fragmentos, Caixa 1,
Maço 1, Doc. 6, ANTT. Schwartz acredita que esses números são
inflados para convencer a coroa da necessidade de ação militar; Sugar
Plantations, 49.
[101]
Diogo de Campos Moreno, Livro que da razão do estado do Brasil-1612 (Recife,
1955), 110.
[102]
Moreno, Livro que da razão, 113.
[103]
Informação das terras do Brasil do P. Manuel da Nóbrega.
[104]
Fernão Cardim, Do Princípio e Origem dos Índios do Brasil, in: Tratados da terra e gente do Brasil,
Ana Maria de Azevedo, ed. (Lisboa, 1997), 166-67.
[105]
Carta jesuíta anual de 1585, Annuae Litterae.
[106]
Confissão de Gonçalo Fernandes, IL 17,762, ANTT.
[107]
Confissão de Gonçalo Fernandes.
[108]
Vainfas, "Deus contra Palmares", 60-64.
[109]
Alves Filho, Memorial dos Palmares, 8; F. A. Pereira da
Costa, Anais Pernambucanos, 1493-1590 (Recife, 1952), 2: 195-99;
Décio Freitas, Palmares: A Guerra dos Escravos., 4ª ed (Rio de
Janeiro, 1982), 41; todos esses autores referem-se a evidências contidas na
correspondência de Diogo Botelho, que podem ser encontradas in: Revista
do Instituto Histórico e Geográfico Brazileiro 73, parte 1 (1910):
1-258.
[110]
Pedro Paulo de Abreu Funari, "A arqueologia de Palmares - sua Contribuição
de para o Conhecimento da História da Cultura afro-americana", em Reis e
Santos Gomes, Liberdade por um fio, 26-51.
[111]
O termo quilombo apareceu pela primeira vez na história de
Angola para descrever os campos de guerra do Jaga, no Brasil, é usado para se
referir a comunidades de escravos fugidos, ver Jan Vansina ", os quilombos
em São Tomé, ou em busca de fontes originais," History in Africa 23 (1996): 453.
[112]
Ivan Alves Filho argumenta em seu livro sobre Palmares que é difícil sustentar
a tese de que a religião era uma característica importante do quilombo e que
"em nenhum momento foi um comportamento característico coletivo de
messianismo registrado"; Memorial dos Palmares, 16. Décio
Freitas também se pergunta se Palmares pode ter sido messiânica, mas conclui
que "de modo geral, rebeliões de escravos nas Américas não têm um caráter
profético ou messiânico, em contraste com as rebeliões dos grupos sociais dos
pobres livres"; Palmares, 48.
[113]
Veja acima na nota 13 minha discussão sobre a revolta dos malês na Bahia.
[114]
Gaspar Barléu, Historia dos feitos recentemente praticados durante oito
anos no Brasil, Cláudio Brandão, trans. (1940;.. rpt ed, São Paulo,
1974), 253. R. K. Kent cita a expedição de Jiirgens Reijmbach, um tenente
do exército holandês, que liderou uma expedição contra Palmares, em 1645 e
observou que havia uma igreja em Palmares. Veja Kent, " An African State in Brazil", in: Richard
Price, ed,. Maroon Societies: Rebel
Slave Communities in the Americas, 2d ed. (Baltimore, Md.,
1979), 178-79. A proibição de bruxaria é interessante porque nos
movimentos milenaristas africanos do século XX, um objetivo de líderes milenaristas
sempre foi a bruxaria tradicional e seus praticantes. Veja a discussão de Karen
E. Fields como os profetas da Torre de Vigia usadaram o batismo como uma
forma de se livrar de bruxas; Revival
and Rebellion in Colonial Central Africa (Princeton, N.J., 1985), 163-92.
[115]
Relatório da expedição de Fernão Carrilho, como utilizado por Kent, "
African State in Brazil", 179.
[116]
Scholem, Sabbatai Sevi, 3.
[117] Fields, Revival and Rebellion; Bengt Sundkler, Bantu Prophets in South Africa (Londres, 1961), e Georges
Balandier, The Sociology of Black
Africa, Douglas Garman, trans. (Nova Iorque, 1970).
[118]
Relações sur le Congo Laurent du Pere de Lucques (1700-1717),
J. Cuvelier, trans. (Bruxelas, 1953). Para fontes adicionais e análises, veja J.
Vansina, ""The Kingo Kingdom and Its Neighbours ", in: Africa from the Sixteenth to the Eighteenth
Century, General History of Africa, vol. 5, BA Ogot,
ed. (Londres, 1992), 573-74, e Wyatt MacGaffey, " The Cultural Roots
of Kongo Prophetism", History
of Religions 17 (1977): 177-93. Um culto nos primórdios do
Malawi (sudeste da África), ocorreu no contexto das transformações causadas
pela presença dos Portugueses no século XVI. Embora não seja descrito como
milenarista, o culto Mbona, no entanto, contou com um líder redentor conhecido
como Mbona ou "preto Jesus"; ver J. Matthew Schoffeleers, River of Blood: The Genesis of a Martyr Cult
in Southern Malawi, c. AD 1600 (Madison, Wisconsin, 1992).
[119]
Os regimes coloniais na África reduziram a quantidade de terra que os africanos
poderiam possuir, aplicando segregação rígida, e enfraqueceram o poder dos
chefes tradicionais, mas, ao mesmo tempo, os africanos aprenderam nas igrejas
missionárias que eram iguais aos brancos aos olhos de Deus. Esta
contradição óbvia começou, de acordo com Georges Balandier, para educar os
africanos politicamente. Estes movimentos tiveram origem não só em igrejas
negras, mas também para os movimentos políticos contra os colonizadores, que se
tornaram a base para o nacionalismo Africano; Balandier, Sociology of Black Africa,
412. Balandier argumenta ainda que foi através da leitura da Bíblia que o
protesto Africano e resistência adquiriu, uma forma semi-literária semi-mítica
(p. 470). O estudo de Balandier sobre Simon Kimbangou, um dos famosos
profetas africanos do século XX, ilustra como a combinação de colonialismo e
missões conduziu à criação de igrejas africanas independentes. Conhecido
como Gounza (tudo isso de uma só vez, ou messias), seu ensino rapidamente
ganhou seguidores no Congo belga. Preso e deportado em 1921, ele se tornou
um mártir. A medida que a igreja Kimbangist se desenvolvia, os crentes
transformaram o profeta em Senhor. Eles descreveram Simon Kimbangou como o
fundador de uma nova religião, uma religião negra: "Ele [Deus] nos enviou
Simon Kimbangou, que é para nós o que Moisés foi para os judeus, Cristo aos
estrangeiros e Mahomet aos árabes" (p. 418). Os Kimbangistas
acreditavam que o salvador iria voltar e colocar um fim ao domínio do homem
branco, o retorno seria acompanhado por grandes catástrofes naturais e guerra
(p. 426). Veja também Georges Balandier, "Messianismes et
Nationalismes en Afrique Noire," Cahiers Internationale de
Sociologie 14 (1953): 41-65, e Fields, Revival e Rebellion.
[120] Wilson Jeremiah Moses, Black Messiahs and Uncle Toms: Social and
Literary Manipulations of a Religious Myth (University Park, Pa., 1982),
68.
[121]
Lewis V. Baldwin apresenta uma análise bem desenvolvida de temas milenares e
messiânicos na religião dos escravos, que ele argumenta transitaram em igrejas
negras do sul, veja There Is a Balm
in Gilead: The Cultural Roots of Martin Luther King, Jr. (Minneapolis, 1991);
and Baldwin, "Martin Luther King, Jr., a Igreja Negra, e a visão
messiânica negra, "Jornal do Centro de Teologia Interdenominacional" 12, n. 1-2
(1984-1985): 93-108. Moses argumenta que, embora a cultura dos EUA tenha
sido historicamente rica de simbolismo messiânico, é mais forte entre os negros
norte-americanos. Como Baldwin, ele também vê Martin Luther King, Jr.,
como saindo de uma tradição religiosa do sul, protestante, e afro-americana
que, historicamente, criou esperanças de um Messias; Black Messiahs and Uncle Toms. In his classic Slave Religion: The
"Invisible Institution" in the Antebellum South (New York,
1980), 289-318, Albert Raboteau ilustra como os livros do Antigo Testamento de
Êxodo e Daniel figuraram com destaque no cristianismo escravo. Êxodo
prometeu libertação para um futuro radicalmente diferente, enquanto Daniel
continha as profecias milenaristas fundamentais, que os escravos interpretaram
para significar o triunfo do Norte na Guerra Civil. Cornel West discute a
evolução da teologia negra de raízes cristãs proféticas durante a escravidão
no Prophesy Deliverance! An
Afro-American Revolutionary Christianity (Philadelphia, 1982). Baldwin,
Raboteau, e Dwight N. Hopkins e George C. L. Cummings discutem como as visões
de escravos do céu e a imaginação escrava do Dia do Juízo revelou uma visão
milenarista, porque o céu dos escravos tornou-se ligado com a sua visão de
liberdade, uma liberdade transcendente para ser realizada em Deus, e não o céu
de seus senhores. Os escravos retrataram o céu como um lugar onde as
famílias se reúnem, onde os erros serão endireitados, onde os escravos se
extrairiam suas vinganças, e onde as comunidades seriam reconstruídas; ver
Louis V. Baldwin, "'A Home in Dat Rock': Afro-American Folk Sources and
Slave Visions of Heaven and Hell", Journal of Religious Thought 42 (1984): 38-57; Raboteau, Slave
Religion, 291, e Hopkins e Cummings, Cut
Loose Your Stammering Tongue: Black Theology in the Slave Narratives (New
York, 1991), 57-59.
[122] Hopkins e Cummings, Cut Loose Your Stammering Tongue, 57.
[123] "The Confessions of Nat Turner",
in: Henry Irving Tragle, The
Southampton Slave Revolt of 1831: A Compilation of Source Material (Amherst,
Massachusetts, 1971), 309.
[124]
"Confissões de Nat Turner", 308.
[125] Maxine Lavon Montgomery, The Apocalypse in African-American Fiction (Gainesville,
Flórida, 1996), 1-14.
[126] Moses, Black Messiahs, 181-95; Dennis Walker, " The Black Muslims in American
Society: From Millenarian Protest to Trans-Continental Relationships ", in:
Trompf, Cargo Cults and Millenarian Movements, 343-90.
[127]
Bastide rejeita a relevância do sul dos EUA para o Brasil, porque as religiões
de escravos dos Estados Unidos sairam de uma tradição protestante, que ele
argumenta ser necessário para as profecias do Antigo Testamento a serem
introduzidas; African Religions of
Brazil, 361.
[128]
José Alípio Goulart, Da fuga ao Suicídio: Aspectos de rebeldia dos
Escravos no Brasil (Rio de Janeiro, 1972), 213-16.
[129] Ver Robert M. Levine, Vale of Tears: Revisiting the Canudos
Massacre in Northeastern Brazil,
1893-1897 (Berkeley, Califórnia, 1992), 217-26; Patricia Pessar,
" Millenarian Movements in Rural Brazil: Prophecy and Protest"Religião 12
(1982): 187-213, e Pessar, " Three Moments in Brazilian Millenarianism: The
Interrelationship between Politics and Religion", Revisão Luso Brasileira 28
(1991): 94-116.
[130]
Ariosvaldo Figueiredo, O Negro e a Violência do Branco: O negro em
Sergipe (Rio de Janeiro, 1977).
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